segunda-feira, 12 de setembro de 2011

SANTA ÁGUEDA OU SANTA ÁGATA

Santa Águeda foi uma das mais veneradas virgens do início da Igreja. Ela foi martirizada e executada nas perseguições conduzidas pelo imperador Trajanus Decius, numa série de camapanhas anti-cristãs que o mesmo conduziu de 250 a 253.
Evangelizada ainda criança, apaixonou-se por Cristo e seu ideal de pureza, dedicando-se a Ele comoesposa. Segundo os atos de seu martírio, ela era filha de uma proeminente e nobre família siciliana e era muuito bonita. Um senador romano de nome Quintinianus, nomeado prefeito da região, pediu àgueda em casamento. Quando ela recusou, pois contradizia seus planos de vocação, e ele descobriu que ela era cristã, ele retaliou, denunciando-a às autoridades e castigando-a colocando em um bordel onde ela milagrosamente escapou incólume.
Quando isto não funcionou, Quintinianus acusou-a de pertencer a seitas fora da lei e ela foi condenada e esticada na roda, açoitada, marcada com ferros em brasa e finalmente seus seios foram cortados.
Nenhum remédio ou ataduras foram permitidas que se colocassem nas suas feridas e ela foi jogada num calabouço escuro e sem comida. Conta a tradição que ela teve uma visão de São Pedro acompanhado de um jovem carregando uma tocha. O jovem aplicou óleos medicinais em seus ferimentos, ficando curada. Quatro dias mais tarde, furioso pela cura milagrosa de Santa Águeda, Quintinianus mandou que a rolassem nua, sobre uma cama de carvão em brasa misturado com pedaços de vasos. Ágata orava com grande paixão e fervor a Deus dizendo: "Meu Senhor Jesus Cristo, vós sois meu coração e a minha mente. Leve-me e faça-me sua."
Santa Ágata acreditava que a morte seria um feliz final para suas torturas. Os carrascos tinham o cuidado para não deixá-la morrer e carregaram o seu corpo alquebrado de volta à cela, enquanto0 ela orava pela liberdade. Naquele exato momento um terremoto sacudiu a prisão e ela então veio a falecer.
No seu funeral, inexplicavelmente apareceu um jovem com uma tocha para honrá-la. Pouco tempo depois, Quintinianus foi jogado no rio pelo seu cavalo e afogou-se. No primeiro aniversário da morte de Águeda o vulcão do monte Edna iniciou uma erupção. Os devotos de Santa Águeda tomaram o seu véu e colocando-o na ponta de uma lança subirm a montanha e o fluxo de lava milagrosamente parou. Santa àgueda também curou a mãe de Santa Luzia na visão. Ela é padroeira da Catânia e é invocada contra terremotos e erupções.
Uma santa que resiste a tais torturas é muito reverenciada e o local de sua tumba é um local sagrado para os cristãos. São Gregório, o Magno, tomou a Igreja dos góticos em Roma e a consagrou à Santa. A Igreja de Santa Águeda está lá até hoje, para lembrarmos dela. Mais tarde, pinturas de Santa Águeda, carregando seus seios cortados em um prato, foram confundidos com pães e isto levou à prática dos pães de Santa Águeda, que são distribuídos no dia da santa para uma grande variedade de doenças e infortúnios.
Sua Intercessão como padroeira de Malta é creditada, como tendo preservado a ilha dos Turcos em em 1551.
A sua tumba está em Catânia, Sicília e o seu véu está num santuário na Catedral de Florença. Várias igrejas são dedicadas a ela.
Blog de antoniolucio-pregador : ANTONIO LUCIO - MINISTÉRIO DE PREGAÇÃO, SANTA ÁGUEDA OU SANTA ÁGATANa arte litúrgica da Igreja ela é mostrada como uma mártir com uma palma e os dois seios em um prato ou às vezes com os seios em duas pinças ou coroada com palmas. Ela é mostrada no mosaico de Santo Apolinário Nuevo em Ravenna, Itália e em outro mosaico, mostrando seu martirio por Sebastião del Piombo, no Palácio del Pitti em Florença, Itália.
Ágata está na lista da martirologia Hieronyminiana e na Cartaginense do sexto século. está também indicado o local do seu martírio na Catâni, na Sicília. O Papa Damascus escreveu um hino em sua honra e incluiu um poema para ela, escrito por uma outra pessoa, em seu livro de devoções.
Santa àgueda, rogai por nós.

SERMO XI - SOBRE A SAÚDE ESPIRITUAL (HUGO DE SÃO VITOR)

"Cura-me e serei curado; salva-me e serei salvo, porque tu és o meu louvor" Jeremias 17, 14
Caríssimos, quem roga ser curado reconhece-se enfermo. Quem é, porém, este enfermo? É o gênero humano, em cuja voz são ditas estas coisas. Enfermo pelo pecado original e por muitos pecados atuais, buscava o seu médico. O médico veio e o doente foi curado.
Propomo-nos expor doze coisas que dizem respeito à cura do gênero humano: o doente, o médico, as feridas, o remédio, os frascos, os antídotos, a dieta, os dispensadores, o lugar, o tempo, a saúde e a alegria pela recuperação da própria saúde.
Este doente é o gênero humano, de cuja doença, Isaías testemunhou, dizendo:  "Toda a cabeça está enferma, e todo coração abatido; desde a planta do pé ao alto da cabeça, não há nele nada são". Isaías 1, 5-6
A ferida, a inflamação e a chaga não foram atadas, nem tratadas com medicamentos, nem cobertas com óleo. Em outro lugar da Escritura, há ainda outro que clama: !Minhas entranhas estão cheias de inflamação, não há parte alguma sã em minha carne". Salmo 37, 8
Assim também clamam os membros do gênero humano, demonstrando a dor de sua enfermidade.
Mas, conforme foi dito, o médico veio e o enfermo foi curado. Quem é este médico?
"Deus, que sara os contritos de coração e liga as suas chagas". Salmo 146, 3
As feridas são o pecado original, que se manifesta na mente pela ignorância e na carne pela concupiscência e os pecados atuais cometidos quando se vive mal. O pecado original procede de nossos pais, os pecados atuais são produto de nossa obra. A procedência do primeiro é alheia, a dos segundos é própria.
O remédio é a graça infundida de dois modos em nossas feridas, um amargo e outro doce. O amargo é pela repreensão e o doce pela consolação. A repreensão é o vinho e a consolação é o óleo.
Os frascos são os sacramentos, nos quais e pelos quais a graça espiritual é contida e conduzida, como a água do Batismo, o óleo do Crisma e outros.
Os antídotos são os sete dons do Espírito Santo, o espírito de sabedoria e de inteligência, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de ciência e de piedade, e o espírito de temor do senhor, para que sejamos humildes pelo temor, misericordiosos pela piedade, discretos pela ciência, invictos pela fortaleza, previdentes pelo conselho, cautelosos pela inteligência, maduros pela sabedoria. O temor expele o orgulho, a piedade a crueldade, a ciência a indiscrição, a fortaleza a debilidade, o conselho a imprevidência, a inteligência a incautela, a sabedoria a insesatez. Que bons antídotos são estes, pelos quais curam-se os abcessos!
A dieta é a Sagrada Escritura, que nos é servida de modos diversos, ensinada segundo a diversa capacidade dos ouvintes. Ora, é servida aos ouvintes ou leitores pela história, ora pela alegoria, ora pela tropologia, ora pela anagogia; ora também, pela autoridade do Velho testamento, ora revelação do Novo; ora envolta pelo véu do mistério, ora pura, nua e aberta. Por tais modos e por muitos outros nos é servido este alimento espiritual, para que por ele sejamos confortados em nossa enfermidade e reconduzidos à saúde. A Escritura é dita corretamente ser dieta quando fazemos as coisas que nela lemos que devem ser feitas, e quando evitamos as coisas que nela lemos que dever ser evitadas. Seguimos deste modo os preceito alimentares dos médicos, comendo isto e evitando aquilo.
Os dispensadores são os sacerdotes, os quais, conferindo-nos os sacramentos, administram admiravelmente a graça proveniente da oculta distribuição do Sumo Dispensador. São servos do Sumo Médico, e segundo a sua vontade devem usar de seus frascos e remédios.
O lugar é este mundo ao qual, após o pecado, procedente do Paraíso, o homem foi transferido como que para uma enfermaria, para que pudesse aplicar-se à cura de sua enfermidade e receber a saúde. O tempo que Deus concedeu ao homem para que nele pudesse ser restituído à saúde é o século presente, dividido em três tempos, que são o tempo da lei natural, o tempo da lei escrita e o tempo da graça. O tempo da lei natural foi o de Adão até Moisés, o tempo da lei escrita foi o de Moisés até Cristo, e o tempo da graça foi o do nascimento de Cristo até o fim do mundo.
Deve-se notar também que este lugar em que o doenteé curado é áspero, o tempo é longo e o remédio é eficaz. O lugar é áspero para que o prevaricador se corrija, o tempo é longo para que aquele que há de curar-se não se preocupe, o remédio é eficaz para que o enfermo se cure. A saúde são as virtudes. Quando o homem se exercita nas virtudes, os vícios são expelidos e adquire-se a saúde. As virtudes expelem os vícios. A humildade expele a soberba, a caridade a inveja, a paz a ira, a alegria a acédia, a generosidade a avareza, a abstinência a gula, a castidade a luxúria. As virtudes, tomando o lugar dos vícios, são a cura das doenças. A alegria pela saúde  recuperada são as bem aventuranças. O homem se entristece quando se torna enfermo; alegra-se, porém, quando é curado. Assim também no século presente lamentamo-nos da enfermidade de nossa corrupção. Quando, porém, na ressurreição, nos elevamos à verdadeira saúde, haveremos de nos alegrar na eterna bem aventurança da saúde alcançada.
"Cura-me, Senhor, e serei curado; Salva-me, e serei salvo, porque tu és o meu louvor".
Cura-me da enfermidade, cura-me da perdição. Cura-me da culpa, cura-me da pena. Cura-me no tempo, salva-me na eternidade, porque tu és o meu louvor em ambos, que vives e reinas. Amém
HUGO DE SÃO VITOR

SÃO MALAQUIAS DA IRLANDA E SUAS "PROFECIAS"

São Malaquias (em irlandês antigo: Malachy Máel Máedóc Ua Morgair; em irlandês moderno: Maelmhaedhoc O'Morgan) nasceu em 1904 na Irlanda. Ainda na adolescência tornou-se abade da Armagh. As suas visões começaram em 1139 na sua primeira viagem a Roma. Foi canonizado em 1199 pelo Papa Clemente III.
São Bernardo afirma que São Malaquias lhe disse a data da sua morte, dia 02 de novembro de 1148.
Ele afirmou que a Irlanda seria oprimida pela Inglaterra e que ao ser libertada seria importante para que a fé voltasse à Inglaterra.
PROFETAS E "PROFETAS": E AS PROFECIAS DE SÃO MALAQUIAS?

Em síntese: As "profecias" de S. Malaquias, que voltaram à baila por ocasião do último conclave pontifício, carecem do toda e qualquer autoridade, segundo os resultados da boa crítica histórica.

S. Malaquias (1095-1140) foi bispo do Armagh na Irlanda no século XII. Até o século XVI nenhum autor ou documento mencionou as suas "profecias"; estas foram ignoradas até 1595, quando o beneditino Arnoldo do Wyon as Inseriu no seu opúsculo "Lignum Vitae". Hoje em dia pode-se dizer que tal documento teve origem em 1590 durante o conclave  que devia eleger o sucessor de Urbano VII; entro os Cardeais mais em vista estava Simoncelli, cidadão do Orvieto e antigo bispo desta cidade; ora os amigos do Simoncelli quiseram favorecer a eleição deste prelado, apresentando  uma lista "profética" de 111 Papas em que o sufragado após   Urbano VII era o Papa "De antiquitate urbis" (Da antiguidade da cidade). Isto é, o Papa de Orvieto (= Urbs vetus, cidade antiga); em vista disto,    forjaram uma série de dísticos papais mais ou menos condizentes com a realidade desde Celestino II (1143-1144), mas assaz arbitrária após Urbano  VII. Todavia essa fraude foi vã, pois quem saiu eleito do conclave em 1590 foi o Cardeal Sfrondate, arcebispo do Milão, que tomou o nome de Gregório XIV.


Estes dados bastam para dissipar qualquer dúvida acerca da pretensa autoridade das "profecias" de São Malaquias.


Comentário: Estiveram mais uma vez em grande voga as ditas "profecias de S. Malaquias" por ocasião do último conclave papal em outubro 1978. A imprensa as mencionava como referencial para se predizer a identidade do futuro Papa; as conjeturas foram as mais variadas possíveis, pretensamente apoiadas também em outras fontes de prognósticos (Nostradamus e semelhantes). Verificou-se, porém, que os resultados foram totalmente diversos do que se previa - o que bem mostra que a S. Igreja transcende as cate¬gorias dos homens e, em última análise, é regida pelo próprio Deus; quem a queira considerar segundo critérios meramente humanos, arrisca-se a falhar, por completo, em suas perspectivas. Pode-se esperar que as lições do último conclave contribuam para avivar no público a consciência desta verdade.

Em vista da atualidade que continuam tendo as "profecias" de S. Malaquias (as quais preveem o fim do mundo para o ano 2000 aproximadamente), proporemos abaixo alguns dados que ajudem o leitor a julgar a autoridade de tal documento. Antes de mais nada, porém, será necessário esboçar


1.  O conteúdo   das  "profecias"


São Malaquias de Armagh (distinga-se bem do profeta S. Malaquias, do Antigo Testamento) nasceu na Irlanda em 1095 aproximadamente. Fez-se monge em Bangor, tornando-se depois arcebispo-primaz de Armagh. Veio a falecer em 1148.


É a esse santo que se atribui a famosa "Profecia dos Papas", a qual terá sido escrita em 1139, quando Malaquias passou um mês em Roma. Consta de 111 breves dísticos latinos, que tentam caracterizar a figura de cada Pontífice desde Celestino II (1143-1144) até Pedro II, que presenciará o fim do mundo. Esse texto, embora seja atribuído a um autor do séc. XII, só se tornou de conhecimento público em 1595, quando o beneditino Arnoldo de Wyon o inseriu no seu opúsculo "Lignum Vitae", publicado em Veneza naquele ano.


Os 111 dísticos no "Lignum Vitae" são acompanhados de breve comentário do historiador espanhol Alonso Ciacconio 0. P. (+ depois de 1601). O comentário aplica os dísticos da Profecia aos 74 Papas que governaram desde Celestino II (+ 1144), um dos contemporâneos de S. Malaquias, até Urbano VII (+ 1590); mostra como o conteúdo de cada oráculo se cumpriu adequadamente na figura de cada Pontífice a que é referido. O comentário de Ciacconio, indicando onde começa a série dos Papas considerados pelos dísticos, permite calcular aproximadamente a época em que se deverá dar o fim do Papado e a segunda vinda do Senhor;  assim contam-se 38 Pontífices desde Urbano VII (+ 1590) até o fim do mundo, sendo que o Papa João Paulo II, que vem a ser "De labore solis" (Da fadiga do sol) ainda terá dois sucessores, o último dos quais, Pedro II, verá, com a geração dos seus contemporâneos, a consumação da história.


2.     A autoridade  da  "Profecia"


A Profecia de Malaquias, logo depois de divulgada em 1595, obteve sucesso considerável. É inegável que os dísticos interpretados por Ciacconio se aplicam bem aos Papas desde Celestino II até Urbano VII.


Eis alguns exemplos mais característicos:


Avis Ostiensis  (Ave de Óstia) convém adequadamente a Gregório IX (1227-1241), que foi Cardeal-bispo de Óstia e tinha uma águia em seu brasão;


De parvo homine (Do pequeno homem) corresponde a Pio III (+ 1503), que se chamava Francisco Piccolomini (Pequeno homem);


Jerusalem Campaniae (Jerusalém da Campanha) designa bem Urbano IV (1261-1264), nascido em Troyes (Campanha) e Patriarca de Jerusalém.


De Urbano VII (+ 1590) em diante, Ciacconio não interpretou mais os oráculos. Muitos historiadores, porém, julgam que continuam a quadrar bem com as figuras dos Pontífices que se têm assentado sobre a Cátedra de Pedro.


Assim, para tomar exemplos recentes, indicar-se-iam


Crux de cruce (Cruz oriunda da cruz), dístico que designa Pio IX (1846-1878) com acerto, pois este Pontífice sofreu duros golpes da parte da Casa de Savoia, em cuja emblema figurava uma cruz;


Religio depopulata (Religião devastada) é o dístico bem adaptado a Bento XV (1914-1922), que durante o seu pontificado assistiu à primeira guerra mundial;


Fides intrepida  (Fé intrépida) corresponde a Pio XI (1922-1939), Pontífice das missões e defensor da verdade contra modernas teorias sociais e políticas;


Pastor et Nauta caracterizaria o Papa João XXIII ex-Patriarca de Veneza, cidade das gôndolas, reconhecido por sua ardente têmpera de Pastor de almas...


Admitida a veracidade da Profecia na base das observações acima, julgam alguns autores que o fim do mundo não está longe (talvez venha por volta do ano 2000), pois só deverá haver três Papas até a segunda vinda de Cristo:


De labora solis  (Da fadiga do sol) = João Paulo II.


De gloria olivae  (Da glória da oliveira).


Para terminar, diz o texto (após o 111º dístico): "Durante a derradeira perseguição, que a Santa Igreja Romana sofrerá, será Pontífice Pedro Romano, que apascentará as suas ovelhas em meio a muitas tribulações. Terminadas estas, a cidade das sete colinas será destruída, e o Juiz terrível julgará seu povo".

Procurando interpretar os dísticos acima, há quem queira prever a história dos tempos finais nos seguintes termos:

As divisas Pastor Angelicus (Pio XII), Pastor et Nauta (João XXIII) e Flos Florum (Paulo VI) indicam um período de grande paz e bonança para a religião (serão mesmo os nossos tempos? Parecem tão diferentes de tal previsão). Santidade angélica deveria florescer no Pastor e nas ovelhas da Igreja; o Pastor, sendo navegante, gozaria de grande prestígio no mundo inteiro e empreenderia viagens intercontinentais a fim de confirmar a pregação do Evangelho em toda parte (note-se, porém, que o grande viajante não foi João XXIII, o Pastor et Nauta, mas, sim, Paulo VI). Os três últimos dísticos insinuam os acontecimentos que deverão preceder imediatamente a manifestação do Anticristo; flagelos, como uma calamitosa expansão do islamismo (Lua crescente), apenas e fadigas sobre os filhos da luz (Sol); além disto, a almejada conversão dos judeus a Cristo (a oliveira simboliza o povo judaico em Rm 11,17-20). Depois disto, sob o Papa Pedro II, Cristo aparecerá como Juiz Universal...


Que dizer dessas conjeturas?


Carecem de autoridade. Usando de toda a objetividade, os bons críticos não hesitam em rejeitar a autenticidade da Profecia de Malaquias.


Quem primeiramente a impugnou apelando para argumentos ainda hoje plenamente válidos, foi o Pe. Ménestrier S. J., no seu livro "'Réfutation des Prophéties faussement attribuées à S. Malachie sur les élections des Papes"' (Paris 1689). Eis as principais razões desde então aduzidas contra a genuinidade das Profecias:


1) Durante cerca de 450 anos, isto é, desde S. Mala¬quias (+1148) até o opúsculo "Lignum Vitae" (1595), jamais autor algum fez alusão aos oráculos de S. Malaquias; nem os historiadores medievais e renascentistas, ao escrever a Vida dos Papas, mencionam tal documento, que certamente deveria ser citado, caso fosse conhecido. E por que motivo, em que circunstâncias, teria este caído em mãos de Ciacconio, seu comentador, após 450 anos de ocultamento? E como de Ciacconio terá sido transmitido a Wyon, que o editou pela primeira vez?


2)  Ao argumento do silêncio associa-se a verificação de faltas históricas e teológicas na Profecia de Malaquias. De fato, na lista dos Papas figuram antipapas (como Vitor IV, 1159-1164; Nicolau V, 1328-1330; Clemente VII, 1378-1394), efeito este que dificilmente se poderia atribuir à inspiração divina. A finalidade mesma da Profecia (insinuar a época do fim do mundo) parece contrariar à intenção de Cristo, que em mais de uma ocasião se negou a revelar aos homens a data do juízo final (cf. Mc 13,32; At 1,7). Além disto, a aplicação dos dísticos aos respectivos Papas baseia-se em notas por vezes acidentais na figura dos respectivos Pontífices, o que lhe dá um cunho de arbitrário; assim Nicolau V (legítimo Papa de 1447 a 1455) traz a dístico De modicitate lunae (Da pequenez da Lua) por ter nascido de família modesta no lugar chamado Lunegiana; Pio II (1458-1464) é assinalado "De capra et albergo (Da cabra e do albergue) por haver sido secretário dos Cardeais Capranica e Albergati!"


Positivamente podem-se indicar as circunstâncias que deram ocasião à falsificação: observe-se, antes do mais, que os dísticos dos Papas até 1590 aludem todos a traços concretos e particulares de cada Pontífice: lugar e família de origem, cargos exercidos antes da eleição, figuras dos brasões, etc. - De 1590 em diante, porém, os oráculos apenas referem qualidades morais, cuja aplicação é assaz vaga, podendo convir a mais de um Pontífice; assim "Vir Religiosus" (Varão religioso), Ignis ardens (Fogo ardente), Fides intrepida (Fé intrépida); qual Papa não mereceria esses qualificativos, caso não fosse de todo indigno?


Observada esta diferença, julgam alguns críticos que a "Profecia de São Malaquias" foi forjada justamente nesse ano de 1590, quando o falsificador já conhecia parte da história dos Papas que ele havia de caracterizar, ficando-lhe desconhecida a outra parte (a do futuro). O ensejo para se inventar a "Profecia" terá sido o conclave de 1590, após a morte de Urbano VII; o certame foi árduo, durando um mês e dezenove dias. Entre os prelados mais em vista, achava-se o Cardeal Simoncelli, cidadão de Orvieto e antigo bispo desta cidade; ora julga-se que as amigos de Simoncelli pretenderam favorecer a eleição deste candidato, apresentando aos interessados uma lista "Profética" de Papas em que o sufragado pelo Espírito Santo após o Pontífice Urbano VII era o Papa De antiquitate urbis (Da antigüidade da cidade), isto é, o Papa de Orvieto (= Urbs vetus = cidade antiga); em vista disto, terão forjado uma série de dísticos papais condizentes com a realidade desde Celestino II (no século XII), mas assaz arbitrária após Urbano VII. Essa lista, com a qual os mistificadores quiseram associar até mesmo o nome abalizado de São Malaquias, não logrou o desejado efeito, pois na verdade quem saiu eleito do conclave foi o Cardeal Sfrondate, arcebispo de Milão, que tomou o nome de Gregório XIV... É esta uma das explicações mais correntes dos motivos que terão inspirado a pseudo-profecia de S. Malaquias!


Ménestrier, na abra referida, cita outro caso semelhante ao de recurso à "autoridade divina" para decidir a eleição de um Papa. Após a morte de Clemente IX (1669), alguns adeptos do candidato Cardeal Bona, lembrando-se do texto de Eclo 15,1: "Quem teme a Deus, fará obras boas (bona)" (Qui timet Deum, faciet bona), espalharam o seguinte trocadilho:


"Grammaticae leges plerumque Ecclesia spernit:


Esset Papa bonus si Bona Papa foret".


"As leis da gramática, geralmente a Igreja as despreza.

Haveria um bom Papa, se Bona Papa fosse".

Diante destas observações da crítica abalizada, vê-se que vão seria evocar a "Profecia" de S. Malaquias, seja para ilustrar a história do Papado, seja para prever o decurso dos futuros tempos ou mesmo a época da segunda vinda de Cristo.

Fonte: Revista "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
D. Estevão Bettencourt, osb

SANTA VERÔNICA GIULIANI

Esta Santa nasceu em Mercatelo, Urbino, perto de Milão, na Itália em 1660 e entrou no convento dos Capuchinhos na Cittá di Castello, em Umbria em 1677. Santa Verônica foi canonizada pela sua piedade, mas é mais lembrada pelas maravilhas que rodearam a sua vida. Filha de uma família de posses, bem cedo estava dando suas roupas para os pobres e já aos 11 anos era fervorosa devota na Paixão do Senhor e já tinha visões. Decidiu-se tornar uma freira quando teve visões da Virgem Maria, mas seu pai se opunha. Ela insistiu e finalmente, em 1677, seu pai permitiu que ela se tornasse uma noviça do Convento dos Capuchinhos em Citá di Castello, na Umbria. Seu noviciato foi difícil. Ela aumentou sua devoção à Paixão de Cristo e foi agraciada com visões de Jesus Cristo carregando a cruz e algum tempo depois começou a sentir dores no coração. Em 1693, teve outra visão do cálice de Cristo que foi oferecido a ela. Na Paixão de 1694, ela já era esposa de Jesus e teve uma visão da Coroa de Espinhos de Cristo e seus ferimentos apareceram em sua cabeça.
Três anos mais tarde ela viu a Virgem Maria dizer a Jesus "deixe tua noiva ser crucificada com Vós" e então com a idade de 37 anos, ela recebeu os estigmas nas mãos, nos pés e no lado por um longo período de êxtase no dia 5 de abril de 1697. Medicamentos foram dados a ela, mas os ferimentos não cicatrizavam. Ela escreveu com detalhes a sua experiência e disse como os raios de luz vieram dos ferimentos de Jesus e tornaram-se pequenas chamas de fogo em forma de prego e o quinto em forma de uma lança de ouro.
A Santa escreveu: "Senti uma grande agonia, mas com a dor eu vi claramente e estava consciente que eu estava sendo transformada em Jesus. Quando eu estava sendo ferida, no meu coração, nas minhas mãos e nos meus pés, os raios de luz brilhavam com uma radiação diferente de volta ao Crucifixo e iluminava o lado, as mãos e os pés de Jesus, que estava pendurado ali. Assim meu Senhor e meu Deus me esposou e me deu para sua guarda a sua mais Santificada Mãe, para sempre e sempre, e ela e o meu Anjo da Guarda me cuidam e Ele assim falou "Eu sou vós e Eu me dou para vós. Pedi o que quiserdes e vos será dado".
E eu respondi: "Meu amado, a única coisa que quero e peço, é nunca me separar de Vós. E aí tudo desapareceu brilhando".
Ao acordar do êxtase, ela encontrou os ferimentos ainda doloridos, o sangue e a água saindo do seu lado. Ela não queria que os ferimentos fossem vistos e os escondeu até 1700, quando Jesus prometeu que as marcas só ficariam mais três anos. Daí em diante só o seu lado sangrava. Logo após o seu primeiro aparecimento, os ferimentos foram examinados pelo bispo da "Citá di Castello" que imaginou um experimento especial para ela, de modo a excluir qualquer fraude. Os ferimentos foram envolvidos em bandagem, atados e lacrados com o selo do bispado, e ela foi cuidadosamente separada das outras Irmãs e sempre sob observação e guarda.
Os ferimentos permaneceram. Durante seus êxtases um odor era por ela emitido, o que ela às vezes levitava. O bispo ficou impressionado pela sua obediência e humildade e ficou complemente convencido que o fenômeno era genuíno.
Um relatório favorável foi enviando ao Santo Oficio em Roma e a Verônica foi-lhe permitido continuar em sua vida normal.
Esta Santa foi eleita Abadessa em 1716, e serviu nesta função por 11 anos. Ela proibia as noviças de lerem livros sobre misticismo. Em seu lugar ela insistia nas virtudes do cristão Rodrigues e sua perfeição religiosa. Ela não só se empenhava na sua vida espiritual, como era uma mulher prática. Melhorou a comunidade durante a sua gestão como Abadessa, especialmente instalando água encanada no convento, expandindo e aumentando os prédios do monastério. Verônica disse ao seu conselheiro espiritual e confessor, que os instrumentos da Paixão de Cristo estavam "impressos" em seu coração e desenhava a posição deles para ele, e mais de uma vez disse-lhe que eles mudavam de posição ao longo dos anos. Morreu de apoplexia e seu coração foi examinado por especialistas, após a sua morte, e "milagrosamente" tinha imagens da cruz, da coroa e do cálice. Os exames também revelaram que a curvatura do seu ombro direito era como se ela tivesse carregado uma pesada cruz por muitos anos.

Uma autobiografia 10 volumes, que ela escreveu ao seu conselheiro e confessor, foi usada no processo de beatificação e as suas experiências místicas foram autenticadas por várias testemunhas e publicadas após a sua canonização. Apesar de estar quase sempre num estado de êxtase, ela não era visionária, muito pelo contrario, era muito prática e tinha uma mente religiosa sensata. Levitação e estigmas que cessaram de sangrar a uma voz de comando, revelaram que Santa Verônica é um dos maiores e mais bem documentados exemplos de prolongada e intensa vivência da Paixão de Cristo e que teve efeitos extraordinários nos seus devotos.
Ela é, na liturgia da Igreja, mostrada com sua cabeça marcada com uma coroa de espinhos e segurando um coração e um crucifixo.
Sua festa é celebrada no dia 10 de julho.
Santa Verônica Giuliani, rogai por nós

TRATADO DA CASTIDADE - BEM-AVENTURADOS OS PUROS

TRATADO DA CASTIDADE
Bem-aventurados os puros (SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO)

§ I. EXCELÊNCIA DA CASTIDADE Ninguém melhor que o Espírito Santo saberá apreciar o valor da castidade. Ora, Ele diz: "Tudo o que se estima não pode ser comparado com uma alma continente" (Ecli 26, 20), isto é, todas as riquezas da terra, todas as honras, todas as dignidades, não lhe são comparáveis. Santo Efrém chama a castidade de "a vida do espírito"; São Pedro Damião, "a rainha das virtudes"; e São Cipriano diz que, por meio dela, se alcançam os triunfos mais esplêndidos. Quem supera o vício contrário à castidade, facilmente triunfará de todos os mais; quem, pelo contrário, se deixa dominar pela impureza, facilmente cairá em muitos outro vícios e far-se-á réu de ódio, injustiça, sacrilégio, etc.
A castidade faz do homem um anjo. "Ó castidade, exclama Santo Efrém (De cast.), tu fazes o homem semelhante aos anjos". Essa comparação é muito acertada, pois os anjos vivem isentos de todos os deleites carnais; eles são puros por natureza; as almas castas, por virtude. "Pelo mérito desta virtude, diz Cassiano (De Coen. Int., 1. 6, c. 6), assemelham-se os homens aos anjos"; e São Bernardo (De mor. et off., ep., c. 3): "O homem casto difere do anjo não em razão da virtude, mas da bem-aventurança; se a castidade do anjo é mais ditosa, a do homem é mais intrépida". "A castidade torna o homem semelhante ao próprio Deus, que é um puro espírito", afirma São Basílio (De ver. virg.).
O Verbo Eterno, vindo a este mundo, escolheu para Sua Mãe uma Virgem, para pai adotivo um virgem, para precursor um virgem, e a São João Evangelista amou com predileção porque era virgem, e, por isso, confiou-lhe Sua santa Mãe, da mesma forma como entrega ao sacerdote, por causa de sua castidade, a santa Igreja e Sua própria Pessoa.
Com toda a razão, pois, exclama o grande doutor da Igreja, Santo Atanásio (De virg.): 'Ó santa pureza, és o templo do Espírito Santo, a vida dos Anjos e a coroa dos Santos!".
Grande, portanto, é a excelência da castidade; mas também terrível é a guerra que a carne nos declara para no-la roubar. Nossa carne é a arma mais poderosa que possui o demônio para nos escravizar; é, por isso, coisa muito rara sair-se ileso ou mesmo vencedor deste combate. Santo Agostinho diz (Serm. 293): "O combate pela castidade é o mais renhido de todos: ele repete-se cotidianamente, e a vitória é rara". "Quantos infelizes que passaram anos na solidão, exclama São Lourenço Justiniano, em orações, jejuns e mortificações, não se deixaram levar, finalmente, pela concupiscência da carne, abandonaram a vida devota da solidão e perderam, com a castidade, o próprio Deus!"
Por isso, todos os que desejam conservar a virtude da castidade devem ter suma cautela: "É impossível que te conserves casto, diz São Carlos Borromeu, se não vigiares continuamente sobre ti mesmo, pois negligência traz consigo mui facilmente a perda da castidade".
§ II. DA VIGILÂNCIA SOBRE OS PENSAMENTOS
1) A respeito dos maus pensamentos encontra-se, muitas vezes, um duplo engano:
a) Almas que temem a Deus e não possuem o dom do discernimento e são inclinadas aos escrúpulos, pensam que todo mau pensamento que lhes sobrevêm é já um pecado. Elas estão enganadas, porque os maus pensamentos em si não são pecados, mas só e unicamente o consentimento neles. A malícia do pecado mortal consiste toda e só na má vontade, que se entrega ao pecado com claro conhecimento de sua maldade e plena deliberação de sua parte. E, por isto, Santo Agostinho ensina que não pode haver pecado onde falta o consentimento da vontade.
Por mais que sejamos atormentados pelas tentações, pela rebelião de nossos sentidos, pelas comoções ou sensações desregradas de nossa natureza corpórea, não existe pecado algum enquanto faltar o consentimento, como ensina também São Bernardo, dizendo: "O sentimento não causa dano algum, contanto que não sobrevenha o consentimento".
Para consolar tais almas timoratas e escrupulosas, quero oferecer-lhes aqui uma regra prática, aceita por quase todos os teólogos: Quando uma alma que teme a Deus e detesta o pecado, duvida se consentiu ou não em um mau pensamento, não está obrigada a confessar-se disso, porque, em tal caso, se tivesse realmente cometido um pecado mortal, não estaria em dúvida a esse respeito, porque o pecado mortal, para uma alma que teme a Deus, é um monstro tão horrendo, que não poderá ter entrada em seu coração sem o perceber.
b) Outros, que possuem uma consciência mais relaxada e são mal instruídos, julgam, pelo contrário, que os maus pensamentos nunca são pecados, mesmo havendo consentimento neles, contanto que não se chegue a praticar. Este erro é muito mais pernicioso que o primeiro. O que se não pode fazer, não se pode também desejar; por isso, o mau pensamento em si contêm toda a malícia do ato. Assim como as más obras nos separam de Deus, também os maus pensamentos nos afastam d'Ele e nos privam de Sua graça. "Pensamentos perversos nos separam de Deus" (Sab 1, 3). Como as más obras estão patentes aos olhos de Deus, também Sua vista alcança todos os nossos maus pensamentos para condená-los e puni-los, pois "um Deus de ciência é o Senhor, e diante d'Ele estão patentes todos os pensamentos" (I Rs 2, 3).
2) Logo, nem todos os maus pensamentos são pecados, e nem todos os que são pecados trazem em si o mesmo cunho de malícia. Devemos considerar três coisas quando se trata de um pecado de pensamento, a saber: a sugestão, a deliberação e o consentimento. Alguns esclarecimentos a esse respeito:
a) Sob a palavra sugestão entende-se o primeiro pensamento que nos incita a praticar o mal que nos vem à mente. Esta instigação ou incitamento ainda não é pecado; se a vontade a repele imediatamente, é mesmo uma fonte de merecimentos. "Para cada tentação a que opuseres resistência, se te deverá uma coroa", diz Santo Antão. Até os Santos foram perseguidos por tais pensamentos. São Bento revolveu-se sobre os espinhos para vencer uma tentação impura, e São Pedro de Alcântara lançou-se em poço de água gelada. São Paulo nos informa que também ele foi tentado contra a pureza: "E para que a grandeza das revelações não me ensoberbesse, foi-me dado um espinho em minha carne, um anjo de satanás para me esbofetear" (2 Cor 12, 7). O Apóstolo suplicou várias vezes ao Senhor que o livrasse desse inimigo: "Por essa causa roguei ao Senhor três vezes que o afastasse de mim". O Senhor não quis, porém, dispensá-lo do combate, e respondeu-lhe: "Basta-te a minha graça". E por que não queria o Senhor livrá-lo? Para que adquirisse maiores méritos por sua resistência à tentação: "Porque a virtude se aperfeiçoa na fraqueza". São Francisco de Sales diz que quando um ladrão procura arrombar uma porta, é porque não está ainda dentro da casa; assim também, quando o demônio tenta uma alma, é porque se acha ela ainda na graça de Deus.
Santa Catarina de Sena foi uma vez horrivelmente atormentada pelo demônio, durante três dias, com fortes tentações impuras. Apareceu-lhe então o Senhor para consolá-la, e ela perguntou-lhe: - Mas onde estivestes, Senhor meu, durante estes três dias? Jesus respondeu-lhe: Dentro do teu coração, dando-te força para resistires à tentação. E o Senhor deu-lhe a conhecer que o seu coração estava, depois da tentação, mais puro que antes.
b) À sugestão segue-se a deleitação. Quando nos damos ao trabalho de repelir imediatamente a tentação, sentimos nela uma certa complacência ou prazer, que nos vai arrastando ao consentimento. Mesmo então, se a vontade não dá seu assentimento, não há pecado mortal; quando muito, poderá haver pecado venial. Se, porém, não recorrermos então a Deus e não nos esforçarmos por resistir à tentação, facilmente nos sentiremos arrastados ao consentimento e perdidos, segundo as palavras de Santo Anselmo (De similit., c. 40): "Se não procuramos impedir a deleitação, ela se transformará em consentimento e matará a alma".
Uma senhora, que tinha fama de santa, teve, um dia, um mau pensamento, que não repeliu imediatamente, e pecou por pensamento. Por vergonha deixou de confessar esse pensamento criminoso e morreu, pouco depois, em estado de pecado. Porque morreu com fama de santidade, mandou o bispo que fosse sepultada em sua própria capela. No dia seguinte, porém, apareceu-lhe ela, toda circundada de fogo, e confessoulhe, infelizmente já tarde demais, que estava condenada por ter consentido num mau pensamento.
c) Toda a malícia do mau pensamento está, porém, no consentimento. Havendo pleno consentimento, perde-se a graça de Deus e chama-se sobre si a condenação eterna, quer se tenha o desejo de cometer um pecado determinado, quer se pense ou reflita com prazer no pecado como se o estivesse cometendo. Esta última espécie de pecado chama-se uma deleitação deliberada ou morosa, e deve-se distinguir bem da primeira, isto é, do pecado de desejo.
3) Se fores, pois, molestada por tais tentações, alma cristã, não deves perder a coragem, antes, animosamente combater, empregando os meios que te vou indicar, e não sucumbirás:
a) O primeiro é humilhar-se continuamente diante de Deus. O Senhor castiga muitas vezes os espíritos soberbos, permitindo que caiam em qualquer pecado impuro. Sê, pois, humilde, e não confies em tuas próprias forças. Davi confessa que caiu no pecado por não ter se humilhado e ter confiado demais em si mesmo: "Antes de me haver humilhado, eu pequei" (Sl 118, 67). Devemos temer sempre a nossa própria fraqueza e colocar em Deus toda a nossa confiança, esperando firmemente que nos preserve desse vício.
b) O segundo meio é recorrer imediatamente a Deus, sem entrar em diálogo com a tentação. Logo que se apresentar ao nosso espírito um pensamento impuro, devemos elevar a Deus imediatamente o nosso pensamento ou dirigi-lo a qualquer objeto indiferente. A coisa melhor será invocar imediatamente os Santíssimos Nomes de Jesus e Maria, e não cessar de repeti-los até desaparecer a tentação. Se ela for muito forte, será bom repetir muitas vezes o seguinte propósito: Ó meu Deus, prefiro morrer a Vos ofender. Peça-se socorro, dizendo: Ó meu Jesus, socorrei-me. Maria, assisti-me. Os Nomes de Jesus, Maria e José possuem uma força especial para afugentar as tentações do demônio.
c) O terceiro meio é a recepção assídua dos Santos Sacramentos da Confissão e da Comunhão. É de suma importância revelar quanto antes ao confessor as tentações impuras. "Uma tentação revelada já está meio vencida", diz São Filipe Néri. E se alguém teve a infelicidade de consentir em uma tentação, não se demore nenhum instante em se confessar disso. São Filipe Néri livrou um rapaz desse vício, induzindo-o a confessar-se logo depois de cada queda.
A Santa Comunhão, está fora de dúvida, confere uma grande força na resistência às tentações desonestas. O Sangue de Jesus Cristo, que recebemos na Sagrada Comunhão, é chamado pelos Santos de 'Vinho gerador de Virgens' (Zac 9, 17). O vinho natural é um perigo para a castidade; este Vinho Celestial é o seu conservador.
d) O quarto meio é a devoção à Imaculada Mãe de Deus, que é chamada a Virgem das Virgens. Quantos jovens não se conservaram puros e castos como Anjos, devido à devoção à Santíssima Virgem!
e) O quinto meio é a fuga da ociosidade. O Espírito Santo diz (Ecli 33, 21): "A ociosidade ensina muita coisa má", isto é, ensina a cometer muitos pecados. E o profeta Ezequiel (Ez 16, 49), assevera que foi a ociosidade a causa das abominações e ruína final dos habitantes de Sodoma. Conforme São Bernardo, a ociosidade motivou a queda de Salomão. Por isso São Jerônimo exorta a Rústico (Ep. ad Rust., 2) que esteja sempre ocupado, para que o demônio não o preocupe com suas tentações. "Quem trabalha é tentado por um demônio só; quem vive ocioso, é atacado por uma multidão deles", diz São Boaventura.
f) O sexto meio consiste no emprego de todas as precauções exigidas pela prudência, tais como a modéstia dos olhos, a vigilância sobre as inclinações do coração, a fugida das ocasiões perigosas, etc.
§ III. DA MODÉSTIA DOS OLHOS
Quase todas as paixões que se revoltam contra nosso espírito têm sua origem na liberdade desenfreada dos olhos, pois os olhares livres são os que despertam em nós, de ordinário, as inclinações desregradas. "Fiz um contrato com meus olhos de não cogitar sequer em uma virgem", diz Jó (Job 31, 1). Mas, por que diz ele de não pensar sequer em uma virgem? Não parece que deveria dizer: Fiz um contrato com meus olhos de não olhar sequer? Não, ele tem toda a razão de falar assim, porque o pensamento está intimamente ligado ao olhar, não se podendo separar um do outro, e, para não ter maus pensamentos, propôs-se esse santo homem nunca olhar para uma virgem.
Santo Agostinho diz: "Do olhar nasce o pensamento, e do pensamento a concupiscência". Se Eva não tivesse olhado para o fruto proibido, não teria pecado; ela, porém, achou gosto em contemplá-lo, parecendo-lhe bom e belo; apanhou-o então, e fez-se culpada da desobediência.
Aqui vemos como o demônio nos tenta primeiramente a olhar, depois a desejar e, finalmente, a consentir. Por isso nos assegura São Jerônimo que o demônio só necessita de nosso começo: dá-se por satisfeito se lhe abrimos a metade da porta, pois ele saberá conquistar a outra metade. Um olhar voluntário, lançado a uma pessoa do outro sexo, acende uma faísca infernal que precipita a alma na perdição. "As primeiras setas que ferem as almas castas, diz São Bernardo (De mod. ben. viv., serm. 23), e não raro as matam, entram pelos olhos". Por causa dos olhos caiu Davi, esse homem segundo o coração de Deus. Por causa dos olhos caiu Salomão, esse instrumento do Espírito Santo. Por causa dos olhos, quantas almas não se perderam eternamente?
Vigie, pois, cada um sobre seus olhos, se não quiser chorar uma vez com Jeremias: "Meus olhos me roubaram a vida" (Jer 3, 51); as afeições criminosas que penetraram em meu coração por causa dos meus olhares, lhe deram a morte. São Gregório diz (Mor. 1, 21, c. 2): "Se não reprimires os olhos, tornar-se-ão ganchos do inferno, que a força nos arrastarão e nos obrigarão, por assim dizer, a pecar contra a nossa vontade". "Quem contempla objeto perigoso, acrescenta o Santo, começa a querer o que antes não queria". É também o que diz a Sagrada Escritura (Jdt 16, 11), quando diz que a bela Judite escravizou a alma de Holofernes, apenas este a contemplou.
Sêneca diz que a cegueira é mui útil para a conservação da inocência. Seguindo esta máxima, um filósofo pagão arrancou-se os olhos para quardar a castidade, como nos refere Tertuliano. Isso, porém, não é lícito a nós, cristãos; se queremos conservar a castidade, devemos, contudo, fazer-nos cegos por virtude, abstendo-nos de olhar o que possa despertar em nós os maus pensamentos. "Não contemples a beleza alheia; disso origina-se a concupiscência, que queima como o fogo" (Ecli 9, 8). À vista seguem-se as imaginações pecaminosas, que acendem o fogo impuro.
São Francisco de Sales dizia: "Quem não quiser que o inimigo penetre na fortaleza, deve conservar as portas fechadas". Por essa razão foram os Santos tão cautelosos em seus olhares. Por temor de enxergarem inesperadamente qualquer objeto perigoso, conservavam os olhos quase sempre baixos, e se abstinham de olhar coisas inteiramente inocentes. São Bernardo, depois de um ano inteiro no noviciado, não sabia ainda se o teto de sua cela era plano ou abobadado. Na igreja do convento havia três janelas e ele não o sabia, porque conservara os olhos baixos. Evitavam os Santos, com cautela maior ainda, pôr os olhos em pessoa de outro sexo. São Hugo, bispo, nunca olhava para o rosto das mulheres com quem tinha de conversar. Santa Clara nunca olhava para a face de um homem. Aconteceu uma vez que, levantando os olhos para a Hóstia Sagrada, durante a Elevação, viu o rosto do sacerdote, com o que ficou profundamente aflita.
Julgue-se agora quão grande é a imprudência e temeridade dos que, não possuindo a virtude dum desses Santos, ousam passear suas vistas em todas as pessoas, não exceptuando as de outro sexo, e querendo ainda ficar livre de tentações e do perigo de pecar. São Gregório diz (Dial. 1.2, c. 2) que as tentações que levaram São Bento a revolver-se sobre espinhos, provieram de um olhar imprudente sobre uma senhora. São Jerônimo, achando-se na gruta de Belém, onde continuamente orava e macerava seu corpo com as mais atrozes penitências, foi por longo tempo atormentado pela lembrança das damas que vira tempos antes em Roma. Como, pois, poderemos ficar preservados de tentações, quando nos expomos ao perigo, olhando e até fitando complacentemente pessoas de outro sexo?
O que nos prejudica não é tanto o olhar casual como o premeditado, o mirar. Razão porque Santo Agostinho diz (Reg. ad Serv. Dei, n. 6): "Se vossos olhos casualmente caírem sobre uma pessoa, cuja vista vos pode ser prejudicial, guardai-vos, ao menos, de fitá-la". E São Gregório diz: "Não é lícito contemplar ou extasiar-se com a vista daquilo que não é lícito desejar, pois, ainda que expulsemos os maus pensamentos que costumam seguir o olhar voluntário, deixam sempre uma mancha na alma". Tendose perguntado ao irmão Rogério, franciscano, dotado de uma pureza angélica, por que se mostrava tão reservado em seus olhares, quando trata va com mulheres, respondeu: "Se o homem foge à ocasião, Deus o protege; se se expõe a ela, Nosso Senhor o abandona e facilmente cairá no pecado".
Suposto mesmo que a liberdade que se concede aos olhos não produzisse outros males, impediria sempre o recolhimento da alma durante a oração; pois tudo o que vimos e nos impressionou, apresenta-se aos olhos de nossa alma e nos causa uma imensidade de distrações. Quem já tem recolhimento de espírito durante a oração, tome muito cuidado para não se ver privado dessa graça dando liberdade a seus olhos.
Está fora de dúvida que um cristão que vive sem recolhimento de espírito não pode praticar as virtudes cristãs da humildade, da paciência, da mortificação, como deveria. Guardemo-nos, por isso, de olhares curiosos, e só olhemos para objetos que elevam para Deus o nosso espírito. "Olhos baixos elevam o coração para o Céu", dizia São Bernardo. São Gregório Nazianzeno (Ep. ad Diocl.) escreve: "Onde habita Cristo com Seu amor, reina aí a modéstia". Com isso não quero, porém, dizer que nunca se deva levantar os olhos ou considerar coisa alguma; pelo contrário, é até bom, às vezes, olhar coisas que elevam nosso coração para Deus, como santas imagens, prados floridos, etc, já que a beleza dessa criatura nos atrai à contemplação do Criador.
Deve-se notar também que a modéstia dos olhos é necessária não só para nosso próprio bem, como para a edificação do próximo. Só Deus vê o nosso coração; os homens vêem apenas nossas obras externas e, ou se edificam, ou se escandalizam com elas. "Pelo rosto se conhece o homem", diz a Escritura (Ecli 19, 26), isto é, pelo exterior se depreende o que é o homem interiormente. Todo cristão, por isso, deve ser o que era São João Batista, conforme as palavras do Salvador (Jo 5, 35): "Uma lâmpada que arde e ilumina". Interiormente deve arder em amor divino; exteriormente, alumiar, pela modéstia, a todos os que o vêem. Também a nós se podem aplicar as palavras que São Paulo dirigiu a seus discípulos (I Cor 4, 9): "Somos o espetáculo dos anjos e dos homens". "A vossa modéstia seja conhecida de todos os homens" (Filip 4, 5).
Pessoas devotas são observadas pelos anjos e pelos homens, e, por isso, sua modéstia deve ser notória a todos, do contrário, deverão dar rigorosas contas a Deus no dia do Juízo. Observando a modéstia, edificamos sumamente os outros e os estimulamos à prática da virtude.
É celebre o que se conta de São Francisco de Assis: Uma vez deixou ele o convento junto a uma companheiro, dizendo que ia pregar; tendo dado uma volta pela cidade com os olhos baixos, entrou novamente no convento. 'Mas quando farás o sermão?', perguntou-lhe o companheiro. 'Já o fiz, respondeu-lhe o Santo, consistiu todo no resguardo dos olhos, do que demos exemplo ao povo'.
Santo Ambrósio diz que a modéstia das pessoas virtuosas é uma exortação mui poderosa ao coração dos mundanos. "Quão belo não seria se bastasse te apresentares em público para fazeres bem aos outros!" (In ps. 118, s. 10). De São Bernardino de Sena se conta que, mesmo antes de entrar para o convento, bastava só a sua presença para pôr fim às conversas livres de seus companheiros; mal o avistavam, diziam uns para os outros: Silêncio, Bernardino vem vindo; e então calavam-se ou começavam a falar de outras coisas. Santo Efrém, segundo o testemunho de São Gregório de Nissa, era tão modesto, que já a sua vista estimulava à devoção, e não se podia vê-lo sem se sentir levado a se tornar melhor. Mais admirável ainda é o que nos refere Suvio, do santo sacerdote e mártir Luciano: só por sua modéstia moveu muitos pagãos a abraçarem a santa Fé. O imperador Mazimiano, que fôra disso informado, temendo sentir a sua influência e ser obrigado a converter-se, citou-o à sua presença, mas não quis vê-lo, e sujeitou-o ao interrogatório ocultando-o a suas vistas por uma cortina estendida entre os dois.
Nosso ideal mais perfeito de modéstia foi, porém, o nosso Divino Salvador mesmo, pois, como nota um célebre autor, os Evangelistas dizem, várias vezes, que o Redentor levantou os olhos em certas ocasiões, dando a entender, com isso, que tinha ordinariamente os olhos baixos. Por isso exalta o Apóstolo a modéstia de seu Divino Mestre, escrevendo a seus discípulos: "Rogo-vos pela mansidão e modéstia de Cristo" (II Cor 10, 1).
Concluo com as palavras de São Basílio a seus monges: "Se quisermos que nossa alma tenha suas vistas sempre postas no Céu, filhos queridos, conservemos nossos olhos sempre voltados para a terra". De manhã, ao despertar, devemos já pedir, com o Profeta: "Afastai meus olhos, Senhor, para que não vejam a vaidade" (Sl 118, 37).
§ IV. DA GUARDA DO CORAÇÃO
A modéstia dos olhos pouco nos servirá se não vigiarmos sobre o nosso coração. "Aplica-te com todo o cuidado possível à guarda do teu coração, diz o Sábio (Prov 4, 27), porque é dele que procede a vida". É aqui o lugar apropiado para se dizer algumas palavras sobre as amizades e, primeiramente, sobre as santas, depois sobre as puramente naturais e, afinal, sobre as perigosas.
1) Descrevendo São Paulo a corrupção moral dos gentios, enumerava entre seus vícios a falta de sentimento e de susceptibilidade para a amizade. A amizade, segundo São Tomás, é mesmo uma virtude. A perfeição não proíbe se entretenham amizades, diz São Francisco de Sales; exige somente que sejam santas e edificantes, a saber, só devem ser mantidas aquelas uniões espirituais por meio das quais duas, três ou mais pessoas, comunicam entre si seus exercícios de devoção, seus desejos piedosos e sentimentos nobres, tornando-se como que um só coração e uma só alma para a glória de Deus e o bem espiritual próprio e alheio. Com toda a razão podem tais almas exclamar: "Vede quão bom e suave é habitarem os irmãos em união" (Sl 132, 1). São Francisco diz mais que, em tal caso, o suave bálsamo da caridade destila de coração em coração por meio dessas mútuas comunicações, e bem pode-se dizer que Deus lança Sua benção sobre tais amizades, por toda a eternidade (Fil., III, c. 19).
Tais amizades são recomendadas pela Escritura mesma, em termos eloqüentes: "Nada se pode comparar com o valor de um amigo fiel, e o valor do ouro e da prata não iguala a bondade de sua fidelidade" (Ecli 6, 16). "Um amigo fiel é um remédio para a vida e a mortalidade, e os que temem o Senhor encontram um tal" (Idem).
Mas como podeis aconselhar as amizades particulares, dirá alguém, quando elas são tão rigorosamente condenadas por todos os ascetas? Respondo: As amizades particulares são proibidas unicamente nos claustros e com toda a razão, pois é imperiosamente necessário que todos os religiosos se amem mutuamente com amor fraterno, para que haja uma vida comum claustral. Ora, num claustro, as amizades particulares podem facilmente ocasionar perturbações dessa mútua caridade, dando ocasião a invejas, suspeitas e outras misérias humanas. São Basílio não hesitou dizer que as amizades particulares em um convento são uma sementeira perpétua de invejas, de desconfianças e inimizades. O mesmo acontece nas famílias em que o pai ou a mãe tem mais carinhos para um filho que para os outros. Os filhos de Jacó odiavam seu irmão José, porque seu pai lhe dedicava um amor especial.
Não há, além disso, nenhum motivo de se alimentar tais amizades num estado religioso, pois, num convento, onde reinam a disciplina e a ordem, todos os membros tendem ao mesmo fim, à perfeição, e não é necessário travar amizades particulares para animar-se mutuamente ao serviço de Deus e ao trabalho do aperfeiçoamento próprio.
Os que, vivendo no mundo, desejam dedicar-se à prática da virtude verdadeira e sólida, precisam, pelo contrário, de se unir aos outros por uma amizade santa e edificante, para poderem, por meio dela, se animar, se auxiliar e se estimular ao bem. Há no mundo poucas pessoas que tendem à perfeição e muitas que não possuem o espírito de Deus e, por isso, é preciso que os bons, quanto possível, evitem os que podem impedir seu adiantamento espiritual e travem amizade com os que os podem auxiliar na prática do bem.
2) Quanto às amizades puramente naturais, deve-se dizer que elas têm seu fundamento na nossa natureza, que nos compele a amar nossos pais, nossos benfeitores e todos aqueles em quem vemos belas qualidades e com quem simpatizamos. Esta espécie de amizade é o laço da família e da sociedade, mas facilmente degenera em amizades falsas; por exemplo, se os pais, por um carinho demasiado, toleram as faltas de seus filhos, ou se um amigo ofende a Deus para agradar a seu amigo, etc. As amizades naturais só são agradáveis a Deus se as santificarmos por meio da boa intenção; por exemplo, amando a nossos pais e amigos por amor de Deus.
3) Por amizades perigosas entendem-se, em particular, as sensuais, isto é, aquelas que se baseiam sobre uma complacência sensual, sobre a fruição comum de prazeres dos sentidos, sobre certas qualidades fúteis e vãs de espírito e coração. Essas amizades são já por si perigosas, mesmo que, no começo, nada tenham de inconveniente, e devemos guardar nosso coração desembaraçado delas.
a) "Quem não evita relações perigosas, cai facilmente no abismo", diz Santo Agostinho (Serm. 293). O triste exemplo de Salomão bastaria para nos encher de terror. Depois de ter sido amado tanto por Deus, servindo ao Espírito Santo de mão para escrever, travou relações com mulheres pagãs, já na sua velhice, e caiu tão profundamente que chegou a sacrificar aos deuses. Isso, porém, não nos deve estranhar, pois, será para admirar que alguém se queime, permanecendo no meio das chamas? - pergunta São Cipriano (De sing. cler.).
Mas em nossas conversas, graças a Deus, não ocorre nada de mal, dirá alguém. Respondo: Todas as amizades que têm sua origem em afeições meramente materiais são, pelo menos, um grande impedimento à perfeição, ainda que não dessem ocasião a outras coisas. Elas, no mínimo, fazem-nos perder o espírito de oração e recolhimento interior; a alma que está presa por uma afeição natural poderá achar-se corporalmente na igreja, mas seu espírito estará se entretendo com o objeto de seu amor; perderá o amor aos Santos Sacramentos; não será mais sincera para com seu confessor, temendo que ele a obrigue a romper com essa cadeia e, envergonhando-se de lhe descobrir sua afeição, não lhe dirá a causa de sua tibieza, e assim se agrava, de dia para dia, seu estado lastimoso. Ao ouvir que fala mal da pessoa amada, se enfurece, defende-a calorosamente; descuida-se da obediência, pois quando o confessor a exorta a renunciar a tal amizade, procura mil desculpas para não ter de obedecer.
Não é só grande a perda espiritual que se sofre com essas amizades baseadas sobre certas qualidades externas duma pessoa, mas, principalmente se for doutro sexo, é também enorme o perigo que se corre de se se perder eternamente. No começo tais amizades parecem indiferentes, mas tornam-se pouco a pouco pecaminosas e, enfim, arrastam a alma ao pecado mortal. "São como o fogo e a palha, e o demônio não cessa de assoprar até irromper o incêndio", diz São Jerônimo.
Pessoas de diferentes sexos abrasam-se por causa da muita familiaridade, com a mesma facilidade com que a palha atingida pelo fogo, e, em certo sentido, até com mais facilidade, porque o demônio emprega tudo quanto é apto para atiçar o fogo. Santa Teresa viu-se um dia transportada ao inferno, onde Deus lhe mostrou o lugar que lhe preparara, se não rompesse com um apego puramente natural a um seu parente.
b) Se sentires em teu coração, alma cristã, uma tal afeição para com alguém, não há outro remédio para te libertares dela, senão cortá-la resolutamente de uma vez para sempre, pois, se quiseres renunciá-la pouco a pouco, crê-me, nunca chegarás a desfazerte dela. Essas cadeias são dificílimas de romper, e só o conseguirá quem as quebrar violentamente, duma só vez. E não venhas com a desculpa de que, até agora, nada ocorreu de inconveniente, pois deves saber que o demônio não começa com o pior, mas só pouco a pouco leva a alma imprudente às bordas do precipício e, então, com um leve empurrão, precipita-as no abismo.
É uma máxima aceita por todos os mestres da vida espiritual de que, neste ponto, não há outro remédio senão fugir e afastar-se da ocasião. São Filipe Néri costumava dizer que, nesse combate, só os covardes saem vencedores, isto é, os que fogem da ocasião. Podemos resistir aos outros vícios ficando na ocasião, diz São Tomás (De mod. conf., c. 14), fazendo violência contra nós mesmos; mas o vício contrário à pureza, porém, só o poderemos vencer fugindo da ocasião e renunciando às afeições perigosas.
Se sentires, porém, teu coração livre e desembaraçado de tais afeições, toma todo o cuidado possível para não te emaranhares em laço algum, como já se tem dado a muitos em razão de sua negligência. Eis o conselho que te dá São Jerônimo (Ep. ad Eust.): "Se, no trato com alguém, notares que alguma afeição desregrada se quer apoderar de teu coração, apressa-te a sufocá-la antes que se torne um gigante. Enquanto o leão é ainda pequeno, pode ser facilmente trucidado; uma vez crescido, torna-se-á mui difícil e humanente impossível".
Coisa verdadeiramente lamentável e vergonhosa seria se permitisses que fizessem, em tua presença, gracejos indecentes. Não julgues que não pecas calando-te e simplesmente ouvindo tais gracejos; se não evitares o mais depressa possível a companhia de um homem tão insolente, já cooperaste com o seu pecado e te fizeste réu dele. Se receberes de alguém uma carta com palavras amorosas, rasga-a imediatamente ou lança-a ao fogo e não lhe dês resposta. Se, por motivo grave, tiveres de responder, faze-o então em poucas e sérias palavras, e não dês a entender que notaste as tais palavras e muito menos que achaste nelas qualquer prazer.
c) Não repliques também que não há perigo, porque a pessoa de que se trata é piedosa. São Tomás de Aquino diz (De mod. conf., c. 14): "Quanto mais santas são as pessoas pelas quais sentimos afeição particular, tanto mais devemos nos acautelar, porque o alto apreço que fazemos de sua virtude mais nos estimula ainda a amá-las". O padre Sertório Caputo, da Companhia de Jesus, diz: "O demônio, a princípio, nos inspira amor à virtude daquela pessoa, depois o amor à própria pessoa e, finalmente, nos lança na perdição". O Doutor Angélico faz notar que o demônio sabe perfeitamente esconder um tal perigo: no começo não dispara seta alguma que pareça envenenada, mas só tais que excitem a afeição, ocasionando leves feridas do coração; em seguida, quando o amor já está aceso, essas pessoas já não se tratam mais como anjos, mas como homens de carne e sangue: trocam repetidos olhares e palavras amorosas, desejam estar muitas vezes a sós, juntas e, por fim, a piedade espiritual degenera em amor carnal.
d) São Boaventura indica cinco sinais dos quais se pode deduzir se a afeição que a alguém nos prende é impura. Primeiro: se se entretêm conversas inúteis; e inúteis são todas as que levam muito tempo. Segundo: se ocorrem olhares e louvores mútuos. Terceiro: se se desculpam as faltas reciprocamente [evitando correções para não desagradar]. Quarto: se aparecem pequenos ciúmes. Quinto: se a separação causa certa inquietação. Eu ajunto ainda: Se se sente grande prazer e gosto nas maneiras ou gentileza natural da pessoa amada, se se deseja que a afeição seja correspondida, e se se não gosta de que outros observem, ouçam ou falem disso.
e) Mas, mesmo as pessoas que pretendem contrair matrimônio, estarão obrigadas a sufocar a inclinação ou simpatia recíproca, suposto mesmo que seja honesta? me perguntará alguém. Se esses futuros esposos estiverem animados de tais sentimentos, que estejam prontos a empregar todos os cuidados para tornar remota a ocasião próxima do pecado, e resolvidos a nunca ofender a Deus por causa de tal afeição, não precisarão romper com ela. A experiência, porêm, ensina que os mais nobres sentimentos degeneram facilmente em paixão.
Por esse motivo os teólogos exigem muita cautela com essas pessoas. Sabendo o quanto o coração humano é inclinado ao pecado e quão fraco quando dominado por uma paixão, só permitem tais relacionamentos entre os jovens quando estão em idade e têm vontade séria de se casar; além disso, que não sejam travadas sem o consentimento dos pais, que não se prolonguem por muito tempo e só se namorem quando estiver próximo o casamento; também lhes interditam a conversa a sós, longe das vistas dos pais, grande familiaridade, e tudo o que possa manchar a pureza da alma, seja por pensamentos, olhares, palavras ou gestos.
Do filho de Tobias podemos aprender como os jovens devem se preparar para o casamento. Na cidade de Ragés, na Média, vivia uma piedosa donzela, de nome Sara, filha de Raguel. Estava profundamente aflita porque sete rapazes, que a haviam sucessivamente desposado, haviam sido mortos pelo demônio da impureza, Asmodeu, na primeira noite depois das núpcias. Ora, o anjo Rafael, que acompanhara o jovem Tobias em sua viagem a Ragés, aconselhou-o a pedir Sara em casamento. Ele, porém, a par do ocorrido com os outros homens, temia expor-se ao mesmo perigo. O Anjo, porém, tranquilizou-o, dizendo: "Ouve-me... o de mônio só tem poder sobre aqueles que abraçam o estado conjugal excluindo a Deus de seus pensamentos, para satisfazerem unicamente a sua concupiscência, como o cavalo e a mula, que não têm entendimento. Tu, porém, quando receberes a Sara, entra com ela no teu quarto por três dias e três noites, guardando continência, e não te entregues a outra coisa que à oração, e então a receberás em matrimônio no temor do Senhor, levado mais pelo desejo de ter filhos que pela concupiscência, para que sejas abençoado e teus filhos sirvam e glorifiquem a Deus; então nada terás a temer do demônio". O jovem Tobias seguiu esse conselho, e seu casamento foi muito abençoado por Deus.
Notemos igualmente as quatro exortações dadas a Sara por seus pais, ao se despedirem dela: Primeiro, honra a teu sogro; segundo, ama a teu marido; terceiro, cuida em governar bem tua casa; quarto, porta-te em tudo irrepreensivelmente. Estes avisos devem servir de norma a todos os jovens que pretendem contrair matrimônio.
f) O que dissemos até aqui se refere ao trato com pessoas de diferente sexo. O amor desregrado, todavia, pode existir também existir entre pessoas do mesmo sexo, principalmente se são ainda moços e existe entre eles uma familiaridade por demais íntima. A este respeito, São Basílio diz o seguinte (Serm. de abd. rev.): "Vós que sois ainda jovens, evitai a companhia de vossos iguais, pois, por meio dessas amizades, o demônio já arrastou a muitos para o inferno". "Alguns começaram com uma afeição aparentemente santa, continua ele, mas pouco a pouco precipitou-os o demônio num lodaçal de vícios os mais abomináveis". Santa Ângela de Foligno se exprime de modo semelhante (Vit., c. 64): "Ainda que seja o amor a fonte de todo o bem, não deixa de ser igualmente a fonte de todo o mal. Não falo do amor impuro, que deve ser evitado em todo o caso, mas da inclinação, em si inocente, que facilmente pode degenerar em amor desordenado. O trato mui assíduo com outro, com protestos de afeição, tem por consequência tornar nocivo o amor, visto que ele prende estreitamente um coração ao outro, obscurecendo a afeição crescente cada vez mais a razão. Em pouco tempo só quererá um o que o outro quer, e então não terá mais coragem de resistir ao outro quando for convidado ao mal, e, assim, se perderão ambos".
Por isso, os que dedicam à educação da mocidade estão gravemente obrigados a ter os olhos abertos nesse ponto, e não precisam ter escrúpulos, suspeitando mal com algum motivo. Se noterem qualquer apego ou familiaridade entre dois jovens, intervenham imediatamente e conservem-nos rigorosamente separados um do outro.
g) Aqui na terra cada um de nós anda por caminhos escabrosos e em trevas, e se, além disso, ainda um anjo mau, isto é, um mau companheiro, que é pior que um demônio, nos persegue e impele à perdição, como poderemos escapar ilesos? Já Platão dizia: "Tomarás os mesmos modos daqueles com quem convives". Segundo São João Crisóstomo, para se certificar dos hábitos de alguém, basta saber com quem ele anda, já que os amigos ou são ou fazem-se semelhantes uns aos outros. E isso por duas causas: primeiro, porque um se esforça por imitar o outro para lhe ser agradável; segundo, porque o homem, como nota Sêneca, é inclinado a fazer o que vê os outros fazerem. Dos israelitas lemos: "Eles se mesclaram com os gentios e aprenderam suas obras" (Sl 105, 35). Devemos, portanto, não só fugir do comércio com os impuros, diz o Sábio, mas também nos conservarmos longe de seus caminhos: "Meu filho, não andes com eles e não ponhas o pé em seus caminhos" (Prov 1, 15). Devemos evitar todo o trato com eles, suas conversas ou presentes, com os quais procuram nos enredar. "Meu filho, se os pecadores te atraírem com seus afagos, não condescendas com eles" (Prov 1, 10). "Cairá, talvez, uma ave, no laço armado na terra, sem a isca?" (Am 3, 5). O demônio serve-se dos maus amigos como de iscas, segundo Jeremias, para prender as almas em suas redes de pecado. "Meus inimigos, sem motivo, prenderam-me como se prende uma ave" (Jer 3, 52). Ele diz 'sem motivo' porque, pergunto-se a um tal sedutor por que aliciou sua pobre vítima ao pecado, responderá: não havia motivo; eu só queria que ela fizesse como eu. É exatamente essa a astúcia do demônio, diz Santo Efrém: "Capturada uma alma em sua rede, serve-se dela como de uma armadilha para prender a outra" (De rect. viv. rat., c. 22).
Fujamos, pois, a toda familiaridade com tais escorpiões infernais, como se foge da peste. Digo: fujamos à familiaridade, isto é, não travemos amizade com homens viciosos, evitando tomar parte em sua mesa, banquetes ou outros convívios com eles. É impossível evitar todo o comércio com eles, porque então teríamos de sair deste mundo, segundo o Apóstolo (I Cor 5, 10); contudo, é bem possível evitar um trato mais familiar com eles, seguindo o conselho do mesmo Apóstolo: "Eu vos escrevi que não tenhais comunicação com eles... com um tal não deveis nem sequer cear". Disse ainda: Fujamos de tais escorpiões, pois o profeta Ezequiel designa assim os sedutores: "Pervertedores estão contigo e habitas com escorpiões" (Ez 2, 6).
Não ousarias, alma cristã, habitar com escorpiões, e certamente te afastarias com toda a pressa de sua proximidade. Pois assim deves evitar os amigos que dão escândalo e envenenam a tua alma com maus exemplos e conversas perversas. Quanto mais estreitamente estão ligados a nós, tanto mais perniciosos se tornam. "Os inimigos do homem são os seus domésticos" (Mat 10, 36). Na Sagrada Escritura se diz: "Quem se compadecerá de um encantador mordido pela serpente e de todos os que se aproximam de animais ferozes? Assim também, quem se compadecerá daquele que se torna companheiro de um homem iníquo?" (Ecli 12, 13). Se um tal homem, por motivo do perigo a que se expõe, cai no pecado e se precipita na condenação eterna, ninguém, nem Deus nem os homens, terá compaixão dele, pois já fôra advertido do perigo.
§ V. DA VIRGINDADE
São Cipriano (De disc. et hab. virg.) denomina a multidão de virgens que se consagram ao amor de seu Divino Esposo, de "a mais nobre porção da Igreja de Cristo". Vários outros Santos Padres, como Santo Efrém, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Jerônimo, São Crisóstomo, escreveram livros inteiros em louvor da virgindade.
Não é minha intenção expor aqui todos os méritos e vantagens que adquirem as pessoas que consagraram a Deus sua virgindade; disso tratarei extensamente no capítulo IV da III parte, que trata do voto de castidade [que reproduzimos logo abaixo]. Aqui farei seguir, simplesmente, uma instrução para os que levam uma vida virginal sem terem emitido o voto de castidade.
As almas virgens são extraordinariamente belas aos olhos de Deus: "Serão como os Anjos de Deus no Céu" (Mat 22, 30). Barônio conta que na morte de uma virgem, chamada Geórgia, uma multidão de pombos adejavam ao redor da casa e, quando seu cadáver foi transportado à igreja, pousaram no teto, exatamente em cima do lugar onde se achava o caixão, e daí não se retiraram até ser sepultada a piedosa virgem (An. 480). Essas pombas certamente eram Anjos, que queriam prestar as últimas honras àquele corpo virginal.
As almas virginais, que renunciaram ao casamento para se dedicarem exclusivamente ao amor de Jesus Cristo, tornam-se esposas do Filho de Deus. Nos Santos Evangelhos, Jesus Cristo é chamado Pai, Mestre, Pastor das almas; referindo-se às virgens, porém, dá-Lhe o nome de Esposo: "Elas saíram a receber o Esposo e a Esposa" (Mat 25, 1). Por isso, tinha razão Santa Inês, respondendo, segundo Santo Ambrósio, aos que lhe ofereciam a mão do filho do prefeito de Roma: "Ofereceis-me um esposo? Já encontrei um muito melhor" (De virg., 1. 1). Semelhante resposta deu Santa domitila, sobrinha do imperador Domiciano, aos que queriam persuadi-la a casarse com Aureliano: "Dizei-me: a quem deveria escolher por esposo uma jovem pedida em casamento por um monarca e por um camponês? Para casar-me com Aureliano, teria de renunciar ao Rei do Céu. Ora, isso seria uma loucura inominável, que nunca praticarei". E, firme nessa resolução, deixou-se queimar viva, para poder permanecer fiel a Jesus Cristo, a Quem consagrara sua virgindade.
Quem poderá imaginar a glória que Deus reserva a Suas castas esposas lá no Céu? Os teólogos são de opinião que no Céu existe uma glória especial reservada às virgens, uma coroa ou alegria particular, de que estão privados os outros Santos.
Mas, dir-me-á uma ou outra jovem: 'Ora, casando-me também poderei santificarme'. Não receberás a resposta da minha boca, mas da de São Paulo, que te dirá também a diferença que existe entre as virgens e as casadas: "A mulher virgem pensa nas coisas que são do Senhor, para que seja santa no corpo e no espírito. Mas, a que é casada, pensa nas coisas que são do mundo, em como agradar ao marido. Em verdade, digo isso para vosso proveito... para vos exortar ao que vos convém e vos facilita a orar ao Senhor sem embaraço" (I Cor 7, 34).
Deve-se, pois, notar que as casadas, sem dúvida alguma, podem ser santas segundo o espírito, ao passo que as virgens, que amam a Deus, o são de corpo e espírito. Tome-se também em consideração estas palavras: "O que facilita servir a Deus sem impedimento". Quantos impedimentos não encontram as casadas na sua tendência à santidade! E esses obstáculos são tanto maiores, quanto mais elevada a sua condição [social].
Para nos fazermos santos temos de empregar os meios e, antes de tudo, nos consagrar à oração mental, receber amiúde os Santos Sacramentos, e pensar sem interrupção em Deus. Ora, quando uma senhora casada achará tempo para cuidar naquilo que é do Senhor? Ela se ocupará com as coisas deste mundo, diz São Paulo, cuidará em agradar a seu marido, olhará pelas necessidades de sua família, pelo seu sustento e vestes, vigiará a educação de seus filhos, atenderá aos parentes e amigos, pensará continuamente nos seus afazeres; seu coração ficará assim dividido entre seus filhos, seu marido e Deus. Como encontrar tempo para se entregar a longas orações mentais, para receber muitas vezes a Comunhão, se nem lhe resta tempo para cuidar de todas as obrigações de sua casa e estado? O marido quer ser atendido, os filhos gritam e choram, querendo mil coisas diversas. Como meditar entre tantos cuidados e perturbações? Muitas mães de família nem mesmo aos domingos podem ir à igreja. É verdade, ela pode conservar a sua boa vontade, mas sempre lhe será custoso cuidar, como convém, do que é do Senhor. Não há dúvida de que pode adquirir grandes merecimentos em razão de tais provações, entregando-se à Vontade de Deus que, em tais condições, não que mais do que um sacrifício perene de resignação e paciência; mas, no meio de tantas distrações e tribulações, é quase impossível, é mesmo heroísmo, praticar a virtude da paciência e conformidade, sem o exercício da oração e a recepção dos Sacramentos... Mas, prouvera a Deus que as senhoras casadas nada mais tivessem a deplorar que a falta de tempo necessário para seus exercícios de piedade.
A má conduta do marido, os desgostos causados pelos filhos, os negócios da casa, as molestas atenções que se devem à sogra e aos cunhados, as suspeitas, as inquietações de consciência quanto à vida conjugal e educação dos filhos, tudo isso origina um mar de tribulações, no qual passam sua vida entre suspiros e lágrimas. E felizes se conseguirem salvar sua alma e alcançarem de Deus a graça de não deixarem o inferno desta vida para se precipitarem no inferno eterno! Esta é a bela sorte das jovens que se consagram ao mundo... [grifo do original]
Mas, entre tantas mulheres casadas, não haverá uma só que se santifique? Sim, existem também Santas casadas. Porém, quais são estas? As que se santificam pelo martírio, que sofrem tudo por amor de Deus, com uma paciência que nada abala. Mas, quantas se elevarão a tal perfeição? Ah! Mui poucas. E se encontrares uma tal, verás que deplora amargamente ter escolhido o partido do mundo, tendo podido, com tanta facilidade, consagrar-se a Jesus Cristo.
Verdadeiramente felizes são aquelas virgens que se consagram por inteiro e exclusivamente ao seu Divino Salvador. Estas estão livres dos perigos em que se achão as casadas. Seu coração está desembaraçado do apego aos filhos e marido, aos bens transitórios, ao luxo vão ou a outras coisas do mundo.
E, quando as mulheres casadas se vêem obrigadas a empregar muitos cuidados e grandes somas com seu traje, para aparecer ao mundo à altura de sua posição e agradar a seu marido, a virgem que se consagrou a Jesus Cristo se contenta com um vestido simples e desataviado, pois, do contrário, daria escândalo. Todos os seus pensamentos e cuidados tendem a agradar a Jesus, a quem dedicou seu corpo, sua alma, seu amor todo. Assim, possui ela também mais liberdade de espírito para pensar em Deus e mais tempo para se entregar à oração e receber os Sacramentos.
Se não te sentes chamada, alma cristã, ao estado conjugal, nem ao religioso, mas desejas fazer-te santa no mundo, como verdadeira esposa de Jesus Cristo, toma a peito os seguintes conselhos: Para a santificação, não é suficiente que uma virgem traga ilibada a sua pureza e use o nome de esposa de Jesus Cristo; é preciso também praticar as virtudes de uma esposa de Jesus. No Evangelho é o reino dos Céus comparado a umas virgens. Mas que virgens? Às virgens prudentes e não às loucas. Aquelas foram introduzidas na sala das núpcias; a estas foi a porta fechada e ouviram do Esposo: Não deixais de ser virgens, mas eu não vos reconheço por esposas minhas. As verdadeiras esposas de Jesus seguem o Esposo para onde quer que Ele vá (Apoc 14, 4). que quer dizer seguir o Esposo? Santo Agostinho explica que é prender-se a Ele (De s. virg., c. 7). Depois de Lhe teres sacrificado teu corpo, deves ainda consagrar-Lhe todo o teu coração, de tal forma que só te ocupes em amá-lO. Para isso, deves empregar os meios para pertencer exclusivamente a Ele.
O primeiro é a oração mental, a que te deves dedicar com todo o zelo. Não julgues que, para isso, é necessário se recolher a um convento ou passar todo o dia na igreja. Não há dúvida que em uma casa de família há barulho e perturbações de pessoas que entram e saem; mas quem tem boa vontade encontra sempre jeito e tempo para fazer suas orações; por exemplo, de manhã, antes de se levantarem as pessoas da casa, ou de noite, depois de já se terem recolhido. Também não se requer que se esteja sempre de joelhos; podem-se recitar as orações durante o trabalho ou caminhando; basta elevar o pensamento a Deus, pensar na Paixão de Cristo ou meditar sobre qualquer outro assunto devoto.
O segundo meio é a recepção assídua dos santos sacramentos da Penitência e Eucaristia. (...) Quanto à Comunhão, não é muita coisa se for recebida só por obediência; deve-se ter deselo delA, e pedi-lA. Esse Divino Pão quer ser desejado e que se tenha fome dEle. A Comunhão é que faz com que as esposas de Jesus permaneçam fiéis a seu Divino Esposo, já que a Ela devem em especial a conservação de sua pureza. Este Divino Sacramento conserva na alma toda espécie de virtudes, sendo, porém, seu efeito principal, conservar ilibado o lírio da virgindade, dando-Lhe o profeta, por isso, o nome de "nutrimento dos escolhidos e vinho que gera virgens" (Zac 9, 17).
O terceiro meio é o recolhimento e a vigilância. O Divino Esposo compara Sua esposa com um lírio entre os espinhos (Cânt 2, 2). Uma donzela que quer viver na sociedade, entre divertimentos e distrações mundanas, não poderá permanecer fiel a Jesus Cristo. Deve, pelo contrário, estar sempre circundada dos espinhos da abstinência e mortificações, e guardar, em especial no trato com homens, a maior reserva, e rigorosa modéstia dos olhos e palavras e, mesmo, se necessário, mostrar-se austera e descortês.
Os espinhos são o que protegem os lírios, isto é, as virgens; sem eles, perder-seão em pouco tempo. O Senhor compara a beleza de Sua esposa com a da pomba (Cânt 1, 9). Por quê? Porque a pomba, por instinto natural, evita a companhia dos outros pássaros. Assim, uma virgem é bela aos olhos de Jesus, se leva uma vida retirada e se se esconde, quanto possível, aos olhos do mundo. São Jerônimo diz (Ep. ad Eust.) que o Esposo das almas é cioso. Desgosta-se muito, por isso, de uma virgem que, depois de se haver consagrado ao Seu amor, gosta de mostrar-se e procura agradar aos homens.
Pessoas verdadeiramente virtuosas preferem desfigurar-se a si mesmas a tornarse objeto de amor criminoso. Se, por desgraça, acontecer tornar-se uma virgem vítima de uma violência qualquer, sem culpa sua, não deve inquietar-se com isso, já que sua pureza não fica alterada. Foi o que Santa Lúcia respondeu ao tirano que a ameaçava de entregá-la ao prostíbulo: "Se eu for desonrada contra minha vontade, receberei uma coroa dupla". Com razão se diz: Não o sentimento, mas o consentimento fere a alma. Além disso, podemos ficar convencidos que uma virgem modesta e reservada saberá também fazer-se respeitar.
O quarto meio é a mortificação dos sentidos. Uma virgem que quer conserva-se pura, diz São Basílio, deve ser pura na língua, falando sempre com decoro e, se for necessário tratar com homens, só dizer o indispensável; pura nos ouvidos, evitando ouvir conversas mundanas; pura nos olhos, conservando-os fechados ou, ao menos, baixos, quando na companhia de homens; pura no tato, usando do máximo cuidado quanto aos outros e quanto a si mesma; pura principalmente no espírito, esforçando-se por resistir aos maus pensamentos, recorrendo a Jesus e Maria.
Para conseguir isso, é preciso que ela mortifique seu corpo com jejuns e outras penitências. Jesus Cristo é um 'Esposo de Sangue' (Ex 4, 26), que desposou nossa alma na ara da Cruz e, por amor dela, derramou até a última gota de Sangue. Por esse motivo, Suas esposas suportam angústias, doenças, dores, maus tratos e injúrias, não só com paciência, mas até com alegria. Assim deve-se entender o texto da Escritura, que diz: "As Virgens seguem o Cordeiro para onde quer que Ele vá" (Apoc 14, 4). Elas seguem jubilosas e cantando a Jesus, seu Divino Esposo, mesmo no meio dos opróbrios e penas, a exemplo de milhares de virgens que foram ao encontro da morte e das torturas, cheias de alegria.
Finalmente, deves recomendar-te instantemente a Maria, a Rainha das Virgens, se quiseres perseverar no teu estado de virgindade perpétua. Ela é que prepara e conclui a união das almas com Seu Divino Filho; Ela que alcança para essas almas escolhidas a graça da preseverança, pois, sem a Sua assistÊncia, todas tornar-se-iam infiéis.
Vós, que ledes estas linhas, - dirijo-me àquelas que se sentem chamadas pelo Divino Esposo a renunciar ao Matrimônio - vós, que quereis pertencer a Jesus Cristo, não vos obrigueis desde logo por um voto, nem façais, logo no começo, o voto de castidade perpétua; fazei esse voto quando Deus vo-lo inspirar e o confessor o permitir. Aconselho-vos, porém, que agradeçais a Jesus Cristo, vos ter chamado a Seu especial amor, e vos ofereçais ao Senhor como coisa que Lhe é consagrada e própria para todo o sempre. E, por isso, dizei-Lhe assim: Ó meu Jesus, meu Deus e Salvador, que por mim morrestes, perdoai-me se também eu ouso chamar-vos meu Esposo. Ouso porque vejo que Vos agrada chamar-me a essa honra. Essa graça é tão grande, que não Vo-la posso agradecer suficientemente. Eu merecia estar agora ardendo no inferno, porém, em vez de me castigar, escolheis-me para esposa Vossa. Pois bem, meu Divino Salvador, eu renuncio ao mundo, eu renuncio a tudo por amor de Vós e a Vós me entrego inteira e irrevogavelmente. De hoje em diante sereis meu único bem, meu único amor. Vejo que quereis possuir meu coração inteiro: ei-lo, entrego-o sem restrição. Aceitai meu sacrifício e não me repulseis como eu mereceria. Esquecei-Vos de todas as ofensas que Vos tenho feito até hoje: detesto-as de todo o coração. Ah! Tivesse eu morrido antes de Vos haver ofendido! Perdoai-me em Vosso amor, e concedei-me a graça de Vos permanecer fiel e nunca mais Vos abandonar. Vós, ó meu Esposo, Vos entregastes todo a mim; eis-me aqui, eu também quero entregar-me toda a Vós. Ó Maria, minha Rainha e minha Mãe, prendei meu coração ao Coração de Jesus Cristo; ligai-me tão fortemente a Ele, que nunca mais possa desprender-me de Vosso Divino Filho.
§ VI. DO VOTO DE CASTIDADE
I. Uma alma que cansagra a Deus a sua virgindade torna-se uma esposa de Jesus Cristo, e por isso o Apóstolo não hesita em escrever (II Cor 11, 2): "Eu vos desposei com um Esposo, com Cristo, para vos apresentar a Ele como virgem pura". Jesus Cristo mesmo se dá como Esposo das virgens, na parábola das dez virgens: "Saíram ao encontro do Esposo... e entraram com Ele para as núpcias" (Mat 25, 10). O Divino Salvador deixa-se chamar pelos outros fiéis de Mestre, Pastor e Pai; quer, porém, ser chamado de Esposo pelas almas virgens. Esses desponsais com o Senhor, se realizam por meio da fé: "Eu me desposarei contigo pela fé" (Os 2, 20). A virtude da virgindade é um fruto especialíssimo dos merecimentos de Jesus Cristo, e por isso se diz, no Apocalipse (14, 4), que as virgens formam o cortejo do Cordeiro. A Santíssima Virgem revelou a uma alma devota que uma esposa de Jesus Cristo deve, acima de todas as virtudes, amar a pureza, porque ela a torna de modo especial semelhante a seu Divino Esposo. São Bernardo diz que todas as almas justas são esposas do Senhor, "mas de um modo particular vale isso das almas virgens", como nota Santo Antônio de Pádua. Por isso São Fulgêncio chama a Jesus Cristo o Esposo de todas as virgens consagradas a Deus.
Uma moça que quer permanecer no mundo e casar-se, se é prudente, se informa com todo o cuidado a respeito dos que solicitam a sua mão, para conhecer o mais digno e o mais capaz de torná-la feliz aqui na terra. A pessoa religiosa, por sua vez, desposase, pelos votos, com Nosso Senhor Jesus Cristo. Procuremos a esposa dos Cânticos, que sabe perfeitamente avaliar as qualidades desse Esposo Divino, e perguntemos-lhe: 'Quem é o vosso amado, ó santa esposa? Quem é aquele que possui todo o vosso coração e vos tornou a mais feliz das mulheres?' Ela responde: 'Meu Amado é branco e vermelho: é branco por Sua pureza, e vermelho pela chama do amor em que se abrasa por Sua esposa; em uma palavra, Ele é tão belo, tão perfeito em todas as virtudes, que não há nem pode haver um outro esposo mais nobre ou mais amoroso que Ele'. "Nem quem O iguale em Sua grandeza, nem em Sua beleza, nem em Sua generosidade", diz Santo Euquério. Por isso escreve Santo Inácio de Antioquia: "Aquelas bem-aventuradas virgens, que se consagraram a Jesus Cristo, podem estar certas de que não encontrarão, nem no céu nem na terra, um esposo tão belo, tão nobre, tão rico, tão amável como Aquele que lhes foi dado, Jesus Cristo".
Santa Clara de Montefalco dizia que prezava tanto sua virgindade, que antes quereria sofrer durante toda a sua vida as penas do inferno, do que perder esse valioso tesouro. Com toda a razão, pois, muitas virgens virtuosas renunciaram a casamentos principescos para permanecerem esposas de Jesus Cristo. Santa Joana, infanta de Portugal, renunciou à mão de Luís XI, rei da França; a Beata Inês de Praga, à do imperador Frederico II; Isabel, filha do rei da Hungria e herdeira do reino, à de Henrique, arquiduque da Áustria, e muitas outras procederam do mesmo modo.
Uma virgem que se consagra ao Senhor, diz Teodoreto, está livre de todo o cuidado inútil. Não tem outra coisa a fazer senão entreter-se contínua e familiarmente com Deus. Isso indica o Apóstolo quando diz que a virgem "é santa no corpo e na alma" (I Cor 7, 34); santa no corpo pela castidade, santa no espírito por seu comércio íntimo com Deus. "Se ela não tivesse outra recompensa a esperar, diz Santo Anselmo, só por estar livre dos cuidados seculares e não ter outra obrigação, já deveria ser tida por sumamente feliz". Do que se vê que as virgens não só receberão uma imensa glória no Céu, mas já serão recompensadas antecipadamente aqui na terra, com uma paz inalterável.
As virgens que se consagram ao amor de Jesus Cristo, ofertando-Lhe o lírio da pureza do coração, tornam-se tão agradáveis a Deus como os Santos Anjos, - certamente um efeito sublime da castidade virginal. Todas as virgens que buscam a perfeição são esposas queridas de Jesus Cristo, porque Lhe consagraram seu corpo e sua alma, e nada mais buscam nesta vida que agradar-Lhe. São João foi o discípulo amado de Jesus, porque guardou a virgindade. Justamente por esse motivo amava-o Jesus mais que aos outros discípulos, como a Igreja o insinua quando diz: "Foi escolhido como virgem pelo Senhor, e mais amado que todos os outros".
As virgens são chamadas, na Sagrada Escritura, as primícias de Deus: "São virgens; esses seguem o Cordeiro aonde quer que Ele vá. Esses foram comprados dentre os homens, para serem as primícias para Deus e para o Cordeiro" (Apoc 14, 4). Mas por que são chamados primícias de Deus? O Cardeal Hugo responde: "Como os primeiros frutos são mais agradáveis que os outros, assim também as virgens consagradas a Deus agradam mais ao Coração deste e constituem o objeto de seu especial amor".
Diz-se ainda, na Sagrada Escritura, que o Esposo Divino "se apascenta entre os lírios" (Cânt 2, 16). Esses lírios representam as virgens que conservam sua pureza por amor de Deus. Um expositor nota o seguinte nessa passagem dos Cânticos: "Enquanto o demônio procura a imundície da impureza, Jesus Cristo se apascenta [isto é, descansa,] entre os lírios da castidade".
O que, porém, deve aumentar consideravelmente a nossos olhos o valor da virgindade, é o louvor extraordinário que lhe tece o Espírito Santo, dizendo: "Tudo o que se aprecia não é comparável a uma alma continente" (Ecli 26, 20). Isso mesmo nos deu a entender a Santíssima Virgem, quando disse ao Arcanjo que Lhe anunciava a divina maternidade: "Como se dará isso, se não conheço varão?" (Lc 1, 14). Maria, com essas palavras, mostrou que preferiria renunciar à dignidade de Mãe de Deus, a perder o tesouro de Sua virgindade.
Segundo São Cipriano, a pureza virginal é a rainha de todas as virtudes e o complemento de todos os bens. Santo Efrém escreve que as virgens que guardam a sua pureza por amor de Jesus Cristo, serão favo de mel.