EDIÇÃO ELETRÔNICA PERMANÊNCIA – RIO 2004 - NÃO PODE SER COMERCIALIZADO
PREFÁCIO
As páginas que se seguem, escritas pelo R. P.
Emmanuel, Prior do Mosteiro de Mesnil-Saint-Loup, têm cem anos. Foram redigidas
em 1884-1885, e estão sendo publicadas em 1985.
O Reverendo Padre Emmanuel é um teólogo, mas sua
doutrina é toda orientada para a vida espiritual. Sua alma arde do desejo de
comunicar a verdade às almas, de levá-las ao Louvor de Deus, de santificá-las
ao modo de São Bento que queria fazer de seus monges bons cristãos, quer dizer,
discípulos de Jesus Cristo.
A leitura destas páginas sobre a Igreja é
entusiasmante, sente-se nelas o sopro do Espírito Santo. Algumas dentre elas
são mesmo proféticas, quando descrevem a Paixão da Igreja. O ano de 1884 foi
também o ano da redação por Leão XIII de seu exorcismo pela intercessão de São
Miguel Arcanjo, que anuncia a iniquidade no trono de Pedro.
Alguns anos antes o Papa Pio IX fizera publicar os
Atos da seita maçônica da Alta Venda, que são verdadeiras profecias diabólicas
para nosso tempo.
O Reverendo Padre dá precisões surpreendentes sobre
o indiferentismo religioso, que corresponde exatamente à heresia ecumênica de
nossos dias. Que teria ele dito ou escrito se vivesse em nossa época! Por seus
escritos ele nos encoraja a permanecermos firmes na fé da Igreja Católica e a
recusar os compromissos que arruínam a liturgia, sua doutrina e sua moral. O
exemplo de seu apostolado na paróquia de Nossa Senhora da Santa Esperança do
Mesnil-Saint-Loup permanece um testemunho de seu zelo e de sua santidade.
Possam estas páginas ter uma larga difusão pela
intercessão de Nossa Senhora da Santa Esperança. Que Ela se digne abençoar seus
leitores e editores.
D. Marcel Lefebvre.
PRIMEIRO ARTIGO março de 1885
UMA
PALAVRA AO LEITOR
I
Consideramos
a Igreja no passado e no presente; falta-nos contemplá-la no futuro. Deus quis
que os destinos da Igreja de seu Filho único fossem traçados de antemão nas
Escrituras, como foram os de seu próprio Filho; é lá que iremos procurar os
documentos de nosso trabalho. A Igreja, devendo ser semelhante a Nosso Senhor,
sofrerá, antes do fim do mundo, uma prova suprema que será uma verdadeira
Paixão. São os detalhes desta Paixão, na qual a Igreja fará ver toda a
imensidade de seu amor por seu divino Esposo, que se acham consignados nos
escritos inspirados do Antigo e Novo Testamento. Nós os passaremos diante dos
olhos de nossos leitores.
Não
temos a intenção de assustar ninguém tratando de tal assunto. Diremos mais: ele
nos parece conter, ao lado de grandes ensinamentos, grandes consolações.
II
Certamente
é um triste espetáculo ver a humanidade, seduzida e enlouquecida pelo espírito
do mal, tentar sufocar e aniquilar a Igreja sua mãe e sua tutora divina. Mas
deste espetáculo sai uma luz que nos mostra a história por inteiro em seu
verdadeiro aspecto.
O
homem se agita sobre a terra; mas ele é empurrado por potências que não são da
terra. Na superfície da história, o olhar apreende as desordens dos impérios e
das civilizações que surgem e desaparecem. Por baixo disto a fé nos faz seguir
o grande antagonismo entre Satã e Nosso Senhor; nos faz assistir às astúcias e
às violências do espírito imundo, para entrar na casa da qual foi expulso por
Jesus Cristo. No fim ele entrará e quererá eliminar Nosso Senhor. Então os véus
serão rasgados, o sobrenatural brilhará em toda parte; não haverá mais política
propriamente dita; um drama puramente religioso se desenvolverá e envolverá
todo o universo.
Pode-se perguntar por que as peripécias deste drama são
descritas tão minuciosamente pelos escritores sagrados, já que ele durará pouco
tempo? Porque será a conclusão de toda a história da Igreja e do gênero humano.
Porque fará ressaltar, com um brilho supremo, o caráter divino da Igreja.
Além
disso, todas essas profecias têm incontestavelmente o fim de fortificar a alma
dos fiéis nos dias da grande prova. Todos os abalos, todos os pavores, todas as
seduções que virão assaltá-los, tendo sido preditos tão exatamente,
constituirão argumentos em favor da fé combatida e proscrita. A fé, neles se
firmará precisamente por aquilo que deveria destruí-la.
Mas
nós mesmos temos grandes frutos a tirar da consideração desses estranhos e
terríveis acontecimentos. Depois de ter falado deles, Nosso Senhor disse a seus
discípulos: “Velai e orai, para que sejais encontrados dignos de fugir destas
coisas que acontecerão no futuro, e de permanecerdes de pé na presença do Filho
do Homem” (Lc 21, 36).
Assim,
pois, o anúncio desses acontecimentos é um aviso solene dado ao mundo: “Velai e
orai para não cairdes em tentação”. (Mt 26, 41).
Não
sabeis quando essas coisas acontecerão: velai e orai, para não seres
surpreendidos. Sabeis que desde agora a sedução age nas almas, que o mistério
da iniquidade faz sua obra, que a fé é reputada um opróbrio (São Gregório);
velai e orai, para conservar a fé.
Eis
a hora da noite, hora das potências das trevas: Velai para que vossa lâmpada
não se apague, orai para que o torpor e o sono não tomem conta de vós.
Mas
antes levantai vossas cabeças para o céu; pois a hora da redenção se aproxima,
pois começam a raiar os primeiros clarões da aurora. (Lc 21, 28).
III
Depois
de ter falado dos ensinamentos, digamos uma palavra sobre as consolações.
Nunca se terá visto o mal tão solto; e ao mesmo tempo tão
contido pela mão de Deus.
A
Igreja, como Nosso Senhor, será entregue sem defesa aos carrascos que a
crucificarão em todos os seus membros: mas não lhes será permitido quebrar seus
ossos, que são os eleitos, assim como com o cordeiro pascal estendido sobre a
cruz.
A
provação será limitada, abreviada por causa dos eleitos; e os eleitos serão
salvos; e os eleitos serão todos os verdadeiros humildes.
Enfim,
a provação acabará por um triunfo inaudito da Igreja, comparável a uma
ressurreição.
Nesse
tempo, e mesmo nos prelúdios da crise suprema, ela verá os restos das nações se
converterem. Mas sua mais viva consolação será a volta dos judeus.
Os
judeus se converterão, seja antes, seja durante o triunfo da Igreja; e São
Paulo, que anuncia esse grande acontecimento, não se contém de alegria ao
contemplar o que se seguirá.
Vê-se
como as palavras do salmo podem se aplicar à Igreja: Seguindo a multidão de
aflições que encheram meu coração, vossas consolações, Senhor, alegraram minha
alma.
SEGUNDO ARTIGO abril de 1885
OS
SINAIS PRECURSORES
I
A questão do fim do mundo foi discutida desde as origens da
Igreja. São Paulo tinha dado sobre esse assunto preciosos ensinamentos aos
cristãos de Tessalônica; e como, apesar das instruções orais, os espíritos se
deixassem inquietar por predições e rumores sem fundamento, lhes dirigiu uma
gravíssima carta para acalmar as inquietações.
“Nós
vos rogamos com insistência, lhes diz, meus irmãos, não vos deixeis abalar em
vossas resoluções, nem vos perturbeis por qualquer visão, ou falatórios, ou
carta supostamente vinda de nós, como se o dia do Senhor estivesse perto”.
“Ninguém
de modo algum vos engane! Pois é preciso que antes venha a grande apostasia, e
que apareça o homem do pecado, o filho da perdição...”.
“Não
vos lembrais que eu vos dizia essas coisas quando ainda estava convosco?”.
“E
agora vós sabeis o que é que o retém. Pois o mistério da iniquidade já faz sua
obra. Aquele que o retém retenha-o, esperando até que seja posto de lado”. (2
Ts 2, 1, 6).
Assim
o fim do mundo não chegará sem que tenha aparecido um homem apavorantemente mau
e ímpio, o filho da perdição. E este, por sua vez, só se manifestará depois da
grande apostasia geral, depois do desaparecimento de um obstáculo providencial
sobre o qual o Apóstolo havia ensinado de viva voz a seus fiéis.
II
De
que apostasia fala São Paulo? Não se trata de uma defecção parcial; ele diz de
uma maneira absoluta, a apostasia. Só se pode entender a apostasia em massa das
sociedades cristãs, que socialmente e civilmente renegarão seu batismo; a
defecção dessas nações que Jesus Cristo, segundo a enérgica expressão de São
Paulo, tornou membros do corpo de sua Igreja (Ef 3, 6). Somente esta apostasia
tornará possível a manifestação e a dominação do inimigo pessoal de Jesus
Cristo, em uma palavra, o Anticristo.
Nosso
Senhor disse: Será que o Filho do Homem, quando voltar, encontrará a fé sobre a
terra? (Lc 18, 8). O divino Mestre via a fé declinar, num mundo que envelhecia.
Não são os ventos do século capazes de fazer vacilar esta chama inextinguível,
mas as sociedades, embriagadas pelo bem-estar material, a afastam como
inoportuna.
Voltando
as costas à fé, o mundo entra nas trevas e se torna joguete das ilusões do mal.
Pensa que são luzes, meteoros enganadores. Irá até tomar pelos primeiros raios
do dia a vermelhidão do incêndio.
Renunciando
a Jesus Cristo, cairá, queira ou não, nas garras de Satã, tão bem chamado
príncipe das trevas. Não pode ficar neutro; não pode criar para si uma
independência. Sua apostasia o põe diretamente debaixo do poder do diabo e de
seus cúmplices.
O
douto Estius, estudando o texto do Apóstolo, diz que esta apostasia começou em
Lutero e Calvino. Este é o ponto de partida. Daí fez um caminho assustador.
Hoje
ela tende a se consumar. Ela se chama Revolução, que é a insurreição do homem
contra Deus e seu Cristo. Ela tem como fórmula o laicismo, que é a eliminação
de Deus e seu Cristo.
É
assim que vemos as sociedades secretas, investidas do poder público, obstinadas
em descristianizar a França, tirando-lhe um a um, todos os elementos
sobrenaturais com os quais foi impregnada durante quinze séculos de fé. Esses
sectários só têm um fim: selar a apostasia definitiva, e preparar as vias para
o homem do pecado.
Cabe
aos cristãos reagir, com todas as energias de que dispõem, contra essa obra
abominável; e para isto reintroduzir Jesus Cristo na vida privada e pública,
nos costumes e leis, na educação e instrução. Há muito tempo que, em tudo isso,
Jesus Cristo não é mais o que devia ser, isto é, tudo. Há muito tempo, reina
uma meia-apostasia. Como, por exemplo, depois que a instrução foi paganizada,
poderíamos formar outra coisa que meio-cristãos?
Trabalhando
em sentido diametralmente oposto ao da Franco-Maçonaria, os cristãos atrasarão
o advento do homem do pecado: prepararão para a Igreja a paz e a independência
de que ela precisa para alcançar e converter o mundo que se abre diante dela.
Toda
a luta da hora presente está, pois concentrada aí: deixaremos, sim ou não, nós
batizados, que se consuma a apostasia que trará, em pouco tempo, o Anticristo?
III
O
Apóstolo fala, em termos enigmáticos, de um obstáculo que se opõe à aparição do
homem do pecado: “Aquele que o retém, diz ele, retenha-o, até que ele seja posto
de lado”.
Por
esse que retém, os mais antigos Padres gregos e latinos entendem, quase
unanimemente, o Império romano. Consequentemente, eles assim explicam São
Paulo: enquanto subsistir o império romano, o Anticristo não aparecerá.
Repugna
esta glosa aos intérpretes mais recentes; não admitem que a sorte da Igreja
esteja ligada à de um império; mas procuram em vão outra explicação
satisfatória.
Confessamos
ingenuamente que o pensamento dos antigos não nos parece tão desprezível, desde
que o entendamos com certa amplidão.
Notemos
que São Paulo, anunciando aos fiéis uma apostasia quando a conversão do mundo
estava esboçada, estava lhes dando uma visão de todo o futuro da Igreja. Ele
lhes anunciou que as nações se converteriam que se formariam sociedades
cristãs, e depois estas sociedades perderiam a fé. Ele lhes mostrara, sem
dúvida alguma, o império romano transformado, um poder cristão surgindo no
lugar de um poder pagão, a autoridade dos Césares passando para mão dos
batizados que dela se serviriam para estender o reino de Jesus Cristo. Ele
poderia, desde então, acrescentar: enquanto durar este estado de coisas,
estejam tranquilos, o Anticristo não aparecerá.
O
sentido do Apóstolo, entendido largamente, seria, pois este: enquanto a
dominação do mundo estiver entre as mãos batizadas da raça latina, o inimigo de
Jesus Cristo não se mostrará.
Notemos,
como corolário desta interpretação, que os franco-maçons se opõem antes de tudo
e acima de tudo à restauração do poder cristão.
Quando
um príncipe se anuncia como cristão, todos os meios são empregados para se
desembaraçar dele. Isto é preciso fazer a qualquer preço.
O Pe. Deschamps dá curioso
detalhe do vivo ódio que a franco-maçonaria tem dos representantes do poder
cristão. Em certa prova, o iniciado recebe esta enigmática divisa: L.D.P. Ora,
esta divisa tem um duplo sentido. No primeiro significa: Liberdade de
pensamento. É a revolta contra Deus. No segundo: Lilia destrue pedibus. Esmague
com os pés os lírios: é aquela das monarquias cristãs.
Assim
pois é o poder político cristão o que impediria a seita de alcançar o seu fim.
Por
outro lado, as raças latinas estão voltadas a exercer no mundo uma influência
católica, ou bem abdicar. Sua missão é servir à difusão do Evangelho; e sua
existência política está ligada a esta missão. No dia em que a ela renunciarem
pela completa apostasia, seriam aniquiladas; e o Anticristo, surgindo
provavelmente do Oriente, as esmagaria facilmente com os pés.
Aqui
ainda incumbe aos cristãos agir sobre o espírito público, fazer com que os
governos retomem as tradições cristãs, fora do que só haverá a decadência para
as nações européias e especialmente para nossa pobre pátria.
TERCEIRO ARTIGO maio 1885
O
HOMEM DO PECADO
I
Está
entre as coisas possíveis, se bem que a apostasia já esteja muito avançada, que
os cristãos, por um esforço generoso, façam recuar os promotores da
descristianização, e propiciem assim, para a Igreja, dias de consolação e de
paz antes da grande provação. Este resultado nós o esperamos, não dos homens,
mas de Deus, não tanto dos esforços, mas das orações.
Nesta
ordem de ideias, alguns autores piedosos esperam, depois da crise presente, um
triunfo da Igreja, qualquer coisa como um dia de Ramos, no qual esta Mãe seria
aclamada pelos gritos de amor dos filhos de Jacob, reunidos às nações, na
unidade de uma mesma fé. Nós nos associamos com prazer a essas esperanças, que
visam um fato formalmente anunciado pelos profetas, e do qual falaremos a seu
tempo.
É da tradição dos primeiros
tempos da Igreja, consignada em Lactancio, que um dia o império do mundo
voltaria à Ásia: Imperium in Asium revertetur.
Qualquer
que seja esse triunfo, se Deus no-lo conceder, não será de longa duração. Os
inimigos da Igreja, atordoados por um momento, retomarão sua obra satânica com
redobrado ódio. Pode-se imaginar o estado da Igreja, então, como semelhante ao
estado de Nosso Senhor nos dias que precederam sua Paixão.
O
mundo será profundamente agitado, como estava o povo judeu reunido para as
festas pascais. Haverá imensos rumores, cada um falando da Igreja, uns para
dizer que ela é divina, outros que ela não o é. Ela será o alvo dos ataques
mais insidiosos do livre pensamento; mas nunca terá reduzido tão bem ao
silêncio seus contraditores, pulverizando seus sofismas.
Em
resumo, o mundo será posto face à verdade; será atingido em pleno rosto pelo
esplendor divino da Igreja; mas ele voltará as costas, e dirá: “Não a quero!”.
Esse
desprezo da verdade, esse abuso de graças será a introdução do homem do pecado.
A humanidade estará querendo esse mestre imundo: ela o terá. E por ele se
produzirá uma sedução de iniqüidade, uma eficácia do erro (é assim que Bossuet
traduz São Paulo) que punirá os homens por terem rejeitado e odiado a Verdade.
Falando
assim, não estamos fabricando imaginações, seguimos o Apóstolo. Segundo ele,
com efeito, toda sedução de iniqüidade agirá “sobre aqueles que perecem, como
não tendo recebido o amor da Verdade que os teria salvo. Por essa razão, Deus
lhes enviará a eficácia do erro, a fim de que creiam na mentira; e assim serão
julgados aqueles que não creram na verdade, mas se comprazeram na iniqüidade”.
(Tess., II, 11. 12).
II
Quando
o homem do pecado aparecer será, pois, como diz São Paulo, a seu tempo; quer
dizer, no momento em que o corpo dos maus, fechado aos golpes da graça, tornado
compacto e intratável pela obstinação de sua malícia, estiver pedindo uma
cabeça como essa.
Ele
surgirá, e Satã fará explodir nela toda a extensão de seu ódio contra Deus e os
homens.
O
homem do pecado, o Anticristo, será um homem, um simples viajante para a
eternidade. Alguns autores supuseram nele a encarnação do demônio; essa
imaginação é sem fundamento. O diabo não tem o poder de tomar e se unir a uma
natureza humana, de macaquear o adorável mistério da Encarnação do Verbo.
Os
Padres pensam unanimemente que ele será judeu de origem. Acrescentam mesmo que
será da tribo de Dan, fundando-se em que essa tribo não é nomeada no Apocalipse
como fornecendo eleitos ao Senhor. Santo Agostinho faz eco a essa tradição em
seu livro “Questões sobre Josué”. Ela se torna bastante verossímil pelo fato de
que a franco-maçonaria é de origem judaica; que os judeus dirigem-na espalhados
pelo mundo inteiro; o que deixa crer que o chefe do império anticristão será um
judeu. Os judeus, aliás, que não querem reconhecer Jesus Cristo, esperam sempre
seu Messias. Nosso Senhor lhes dizia: “Eu vim em nome de meu Pai, e vós não me
recebestes: se outro vier em seu próprio nome, vós o recebereis”. (Jo 5, 43).
Por esse outro os Padres entendem comumente o Anticristo.
Apesar
do Anticristo ser chamado o homem do pecado, o filho da perdição, não se deve
pensar que ele será votado fatalmente e irremissivelmente ao mal. Ele receberá
graças, conhecerá a verdade, terá um anjo da guarda. Terá os meios de alcançar
a salvação, e se perderá por sua própria culpa.
No
entanto, São João Damasceno não hesita em dizer que ele será impuro desde seu
nascimento, todo impregnado do hálito de Satã. E é de crer que desde a idade da
razão ele entrará em relação tão constante e tão estreita com o espírito das
trevas, se voltará para o mal com tal teimosia que não deixará penetrar em sua
alma nenhuma luz sobrenatural, nenhuma graça do alto. Ele ficará imutavelmente
rebelde a todo bem.
É
isto que lhe valerá o nome de homem do pecado. Ele levará a seu máximo, fazendo
de toda sua vida um só ato de revolta contra Deus; por essa constante aplicação
do mal, atingirá um requinte de impiedade que nenhum homem nunca alcançou.
A
qualificação de filho da perdição que lhe é comum com Judas, quer dizer que sua
perda eterna está prevista por Deus, querida por Deus, em punição por sua terrível
malícia, a ponto dela estar inscrita nas Escrituras e como que registrada de
antemão. É provável, e isto é o que pensa São Gregório — que o monstro
conhecerá, a uma luz que sai das profundezas do inferno, a sorte que o espera,
que renunciará a toda esperança para odiar a Deus mais à vontade, que se fixará
desde esta vida na irremediável obstinação dos danados. E assim ele realizará o
terrível nome de filho da perdição.
Desta
maneira ele será verdadeiramente o Anticristo, a saber, o antípoda de Nosso
Senhor. Jesus Cristo estava elevado acima do alcance do pecado; o Anticristo se
porá fora do alcance da graça, por um abandono de todo seu ser ao espírito do
mal. Jesus Cristo se volta para seu Pai com todo o impulso de uma natureza
divinizada e preservada das más influências; o Anticristo se voltará para o mal
com todo o impulso de uma natureza profundamente viciada e que renunciará mesmo
à esperança.
III
Estando
assim diametralmente oposto a Nosso Senhor, ele fará obras em oposição direta
às suas.
Ele
será para Satã um órgão de escol, um instrumento de predileção.
Assim
como Deus, enviando seu Filho ao mundo, o revestiu do poder de fazer milagres,
e mesmo de dar a vida aos mortos, assim também Satã fazendo um pacto com o
homem do pecado, lhe comunicará o poder de fazer falsos milagres. Por isto São
Paulo diz que “sua vinda é obra de Satanás com o desdobramento de poder, de
sinais e de prodígios mentirosos”. Nosso Senhor só fez milagres de bondade,
recusou fazer prodígios de pura ostentação; o Anticristo se comprazerá em
fazê-los, e os povos, por um justo julgamento de Deus, se deixarão prender por
suas artimanhas.
Está
claro, pelo que precede, que o Anticristo se apresentará ao mundo como o tipo
completo desses falsos profetas que fanatizam as massas, e que as arrastam a
todos os excessos, sob o pretexto de uma reforma religiosa. Sob este ponto de
vista, Maomé parece ser seu verdadeiro precursor. Mas ele o ultrapassará de imediato
em perversidade, em habilidade, como também pela plenitude de seu poder
satânico.
Estudaremos
em próximo artigo as origens e os desenvolvimentos de seu poder, assim como as
fases da guerra de extermínio que ele desencadeará contra a Igreja de Jesus
Cristo.
QUARTO ARTIGO junho de 1885
O
IMPÉRIO DO ANTICRISTO
Visão
do profeta Daniel
I
Uma
noite, o profeta Daniel teve uma visão terrificante. Enquanto os quatro ventos
do céu se combatiam sobre um vasto mar, ele viu surgir do meio das vagas quatro
bestas monstruosas.
Eram
uma leoa, um urso, um leopardo de quatro cabeças, depois não sei que força
prodigiosa, tendo dentes e unhas de ferro, e dez chifres na testa.
Foi
revelado ao profeta que estas quatro bestas significavam quatro impérios que se
elevariam sucessivamente sobre as vagas movediças da humanidade.
Ora,
enquanto Daniel considerava com horror a quarta besta, viu um chifrezinho
nascer no meio dos dez outros, abater três, e crescer acima de todos; e este
chifre tinha olhos de homem, e uma boca que falava com insolência; fazia guerra
aos santos do Altíssimo, e levava a melhor sobre eles. O profeta perguntou o
sentido desta estranha visão. Foi-lhe respondido que os dez chifres
representavam dez reis; o chifrezinho era um rei que acabaria por dominar sobre
toda a terra com inaudito poder.
“Vomitará,
lhe foi dito, blasfêmias contra Deus, esmagará debaixo dos pés os santos do
Altíssimo; ele pensará que pode mudar os tempos e as leis; e tudo lhe será
entregue durante um tempo, dois tempos, e a metade de um tempo”. (Dn 7).
II
Por
este rei todos os intérpretes entendem o Anticristo.
Qual
é a besta sobre a qual surgiu, no tempo marcado, este chifre de impiedade? É a
Revolução, pela qual se entende todo o corpo dos ímpios, obedecendo a um motor
oculto e se insurgindo contra Deus: a Revolução, poder Satânico e bestial;
satânico, porque animado por um espírito infernal; bestial, porque entregue a
todos os instintos da natureza degradada. Ela tem dentes e unhas de ferro: pois
forja leis despóticas por meio das quais esmaga a liberdade humana. Procura
apoderar-se dos reis e dos governos, que têm de fazer um pacto com ela. Quando
o Anticristo aparecer, ela terá dez reis a seu serviço, como os dez chifres da
testa.
O
Anticristo – nos diz Daniel, aparecerá como um chifrezinho; terá um começo
obscuro. Não sairá da família real; será um Maomé, um Mahdi, que se levantará
pouco a pouco pela audácia de suas imposturas, secundadas pela cumplicidade do
diabo.
O
chifre que o representa é muito diferente dos outros. Tem olhos de homem; pois
o novo rei é um vidente, um falso profeta. Tem uma boca que faz grandes
discursos; pois se impõe não menos pelo brilho da palavra e a sedução das
promessas, do que pela força das armas e das intrigas políticas.
Cedo
todo o mundo terá os olhos voltados para o impostor, seus grandes feitos serão
celebrados pelas trombetas de uma imprensa complacente. Sua popularidade
sombreará a de muitos soberanos apóstatas, que dividirão então entre si o
império da besta revolucionária. Seguir-se-á uma luta gigantesca, na qual,
segundo Daniel, o Anticristo abaterá todos os seus rivais.
Neste
momento todos os povos, fanatizados por seus prodígios e suas vitórias, o
aclamarão como o salvador da humanidade. E os outros reis não terão outro
recurso que se submeterem a ele.
Este
será o começo de uma crise terrível para a Igreja de Deus. Pois o chifre da
impiedade, alcançando o auge do poder, fará guerra aos santos e prevalecerá
contra eles.
III
É
provável que durante esse período que poderá durar muitos anos, o homem do
pecado afetará ares de moderação hipócrita.
Judeu,
se apresentará aos judeus como o Messias esperado, como o restaurador da lei de
Moisés; tentará torcer a seu favor as misteriosas profecias de Isaias e
Ezequiel; reconstruirá, no dizer de muitos Padres da Igreja, o templo de
Jerusalém. Os judeus, ao menos em parte, ofuscados por seus falsos milagres e seus
faustos insolentes, o receberão, o falso Cristo; porão a seu serviço a alta
finança, toda a imprensa, e as lojas maçônicas do mundo inteiro.
É
muito crível também que o Anticristo disporá, para subir, de todos os
partidários das falsas religiões. Ele se anunciará como cheio de respeito pela
liberdade dos cultos, uma das máximas e uma das mentiras da besta
revolucionária. Dirá aos budistas que é um Buda; aos muçulmanos, que Maomé é um
grande profeta. Nada impede que o mundo muçulmano aceite o falso messias dos
judeus como um novo Maomé.
O
que sabemos? Talvez irá até dizer, em sua hipocrisia, como Herodes seu
precursor, que quer adorar Jesus Cristo. Mas isso não passará de uma zombaria
amarga. Malditos os cristãos que suportam sem indignação que seu adorável
Salvador seja posto lado a lado com Buda e Maomé, em não sei que panteon de
falsos deuses!
Todos
esses artifícios, parecidos com a carícia no cavalo do cavaleiro que o quer
montar, arrebanharão insensivelmente o mundo para o inimigo de Jesus Cristo;
mas uma vez firme nos estribos, usará do freio e das esporas; e a mais terrível
tirania pesará sobre a humanidade.
IV
São
Paulo nos faz conhecer com um só traço toda a extensão dessa tirania, a mais
odiosa que houve e que haverá em todos os tempos.
O
homem da perdição, diz ele, o filho da perdição, o ímpio, “se oporá e se
levantará contra tudo o que se chama Deus ou que é adorado como Deus, até se sentar
no templo de Deus, apresentando-se como se fosse Deus”. (2 Ts 2 4).
Daniel
tinha predito antes de São Paulo: “Não terá em conta para nada o Deus de seus
pais; ele mergulhará em deboches; não terá preocupação com Deus algum,
levantar-se-á contra tudo”. (Dn 11, 17).
Assim,
quando o Anticristo tiver escravizado o mundo, quando tiver colocado em toda
parte seus ordenanças e suas criaturas, quando puder puxar à sua vontade todos
os fios de uma centralização levada ao extremo: ele tirará a máscara, proclamará
que todos os cultos estão abolidos, se aclamará como Deus único e, debaixo das
penas mais terríveis e mais infamantes, quererá forçar todos os habitantes da
terra a adorar, excluindo qualquer outra, sua própria divindade.
É
nisto que desembocará a famosa liberdade de culto da qual se faz tanto alarde;
a promiscuidade dos erros exige logicamente esta conclusão.
Enquanto
esteve na terra, o adorável Jesus, manso e humilde de coração, nunca se propôs
à adoração de seus apóstolos sendo Ele Deus; muito ao contrário, pôs-se de
joelhos diante deles e lhes lavou os pés. O Anticristo, monstro da impiedade e
de orgulho, far-se-á adorar pela humanidade enlouquecida e seduzida; ela terá
escolhido este mestre de preferência ao primeiro.
E
não se pense que a armadilha será grosseira! Não esqueçamos, diz São Gregório,
que o monstro disporá do poder do diabo para fazer falsos prodígios; ao
contrário do começo, quando os milagres estavam do lado dos mártires, parecerá
que agora estão do lado dos carrascos. Haverá uma ofuscação, uma vertigem.
Somente os humildes, firmes em Deus, distinguirão a mentira e escaparão à
tentação.
Mas
onde o Anticristo estabelecerá seu novo culto? São Paulo nos diz: no templo de
Deus; Santo Irineu, quase contemporâneo dos Apóstolos, esclarece melhor e diz:
no templo de Jerusalém que ele fará reconstruir. Este será o centro da horrível
religião. São João em outro lugar nos dá a conhecer a imagem do monstro será proposta
por toda parte à adoração dos homens. (Ap 13, 24).
Então
budismo, islamismo, protestantismo, etc. serão suprimidos e abolidos. Mas não é
preciso dizer que o furor do mundo se dirigirá contra Nosso Senhor e sua
Igreja. Fará cessar o culto público; desaparecerá, diz Daniel, o sacrifício
perpétuo. Só se poderá celebrar a Santa Missa em cavernas e em lugares
escondidos. As igrejas profanadas só apresentarão ao olhar a abominação da
desolação, a saber, a imagem do monstro elevada aos altares do verdadeiro Deus.
(Daniel, pass.). Houve um ensaio dessas coisas na Revolução Francesa.
Aí
a mão de Deus se fará sentir. Ele abreviará esses dias de suprema angústia.
Essa perseguição, que fará vacilar as colunas do céu, só durará um tempo, dois
tempos e a metade de um tempo, a saber, três anos e meio.
QUINTO ARTIGO julho 1885
OS
PREGADORES DO ANTICRISTO
Visão
de São João
I
Os
livros santos que entram em tantos detalhes sobre o homem do pecado, nos fazem
conhecer um misterioso agente de sedução que lhe submeterá a terra. Este
agente, ao mesmo tempo um e múltiplo, é, segundo São Gregório, uma espécie de
corpo ensinante que propagará por toda parte as perversas doutrinas da
Revolução.
O
Anticristo terá seus ajudantes de ordem e seus generais; possuirá um inumerável
exército. Mal se ousa tomar ao pé da letra o número que São João nos dá falando
de sua cavalaria (Ap 9, 16).
Mas
ele terá sobretudo a seu serviço falsos profetas como ele, iluminados do diabo,
doutores de mentiras; inimigo pessoal de Jesus Cristo, macaqueará o divino
Mestre, cercando-se de apóstolos ao contrário.
Falemos
então, segundo São João, destes doutores ímpios que chamaremos pregadores do
Anticristo.
II
São
João, no capítulo XIII de seu Apocalipse, descreve uma visão parecida com a de
Daniel. Ele vê surgir do mar um monstro único, reunindo em si mesmo uma
horrível síntese de todos os caracteres das quatro bestas vistas pelo profeta.
Este monstro parece o leopardo; tem pés de urso, goela de leão; tem sete
cabeças e dez chifres.
Ele
representa o império do Anticristo, formado por todas as corrupções da
humanidade. Ele representa o próprio Anticristo que é o nó de todo esse
conjunto violento de membros incoerentes e díspares.
Chega-se
a ver o impostor, com o cortejo de cristãos apóstatas, muçulmanos fanatizados,
judeus iluminados, que o seguirá por toda parte.
Ora,
enquanto São João considerava esta Besta, viu uma das cabeças ferida de morte;
depois a chaga mortal foi curada. E toda a terra se maravilhou com a Besta. Os
intérpretes vêm nisto um dos falsos prodígios do Anticristo; um de seus
principais ajudantes de ordem ou talvez ele mesmo, aparecerá ferido gravemente,
acreditar-se-á que morreu, quando de repente, por um artifício diabólico, se
recuperará cheio de vida. Esta impostura será celebrada por todos os jornais,
muito crédulos nesta ocasião; o entusiasmo irá ao delírio.
“Então,
continua São João, os homens adorarão o dragão que deu o poder à Besta,
dizendo; quem é semelhante a ela, e quem poderá pelejar contra ela?”.
Assim,
tanto o diabo será adorado como o Anticristo; e não será um duplo culto, o
primeiro sendo adorado no segundo. São João nos faz assistir em seguida à
perseguição contra a Igreja.
“E
foi dada à Besta uma boca que proferia coisas arrogantes e blasfêmias; e
foi-lhe dado o poder de fazer guerra durante quarenta e dois meses”.
Esta
é a mesma palavra de Daniel e designa o tempo da perseguição no seu paroxismo.
Quarenta
e dois meses, é justo três anos e meio.
“E
abriu a sua boca em blasfêmias contra Deus para blasfemar o seu nome, o seu
tabernáculo e os que habitam no céu”.
“E
foi-lhe permitido fazer a guerra aos santos e vencê-los. E foi-lhe dado poder
sobre toda tribo, e povo, e língua, e nação”.
“E
adoraram-na todos os habitantes da terra, cujos nomes não estão escritos no
livro da vida do Cordeiro, que foi imolado desde o princípio do mundo”.
“Se
alguém tem ouvidos, ouça!”.
“Aquele
que levar para o cativeiro, irá para o cativeiro; aquele que matar à espada,
importa que seja morto à espada. Aqui está a paciência e a fé dos santos”. (13,
3-11).
É
assim que o apóstolo bem amado descreve a terrível perseguição. A todas as
ameaças se juntam todas as seduções; disto resultará um fanatismo delirante que
lançará o mundo inteiro aos pés da Besta. Mas todos os assaltos do inferno
fracassarão diante da “paciência e a fé dos santos”.
III
São
João nos pinta em seguida o grande agente de sedução que dobrará os espíritos
dos homens ao culto da Besta.
“E
vi outra besta que subia da terra e que tinha dois chifres semelhantes aos de
um cordeiro, mas que falava como o dragão”.
“E
ela exercia todo o poder da primeira besta na sua presença; e fez que a terra e
os que a habitam adorassem a primeira besta, cuja ferida mortal tinha sido
curada”.
“E
operou grandes prodígios, de sorte que até fez descer fogo do céu sobre a terra
à vista dos homens”.
“E
seduziu os habitantes da terra com os prodígios que lhe foi permitido fazer
diante da besta, persuadindo os habitantes da terra que fizessem uma imagem da
besta, que tinha recebido um golpe de espada e conservou a vida”.
“E
foi-lhe concedido animar a imagem da besta, de modo que falasse; e forçar a
todos os homens, sob pena de morte, a adorar a besta”.
“E
fará que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, tenham
um sinal em sua mão direita, ou nas suas frontes; e que ninguém possa comprar
ou vender, exceto aquele que tiver o sinal ou o nome da besta, ou o número de
seu nome”.
“É
aqui que está a sabedoria. Quem tem inteligência, calcule o número da besta.
Porque é número de homem; e o número dela é seiscentos e sessenta e seis”. (Ap
13, 11-18).
Tal
é a segunda parte da profecia de São João. São Gregório interpreta esta
misteriosa passagem no sentido, como dissemos, de que o Anticristo terá seu
colégio de pregadores e de apóstolos ao contrário. E esses doutores da mentira
serão qualquer coisa como nossos sábios modernos, misto de mágico ou espírita.
Eles
terão a aparência do Cordeiro. Adotarão na aparência as máximas evangélicas de
paz, de concórdia, de liberdade, de fraternidade humana; e debaixo dessas
aparências propagarão o ateísmo mais desavergonhado.
Eles
terão a aparência do Cordeiro. Apresentar-se-ão como agentes de persuasão,
respeitosos para com as consciências; e depois, farão morrer entre tormentos
aqueles que se recusarem a ouvi-los.
“Seus
ouvintes, diz fortemente São Gregório, serão todos réprobos; sua tática, diz
ele ainda, consistirá em proclamar que o gênero humano, durante as épocas de
fé, estava mergulhado nas trevas; e saudarão o advento do Anticristo como a
aparição do dia e o despertar do mundo” (Mor. in Job. lib. XXXIII).
Essas
pregações serão apoiadas por falsos prodígios. Instruídos pelo diabo e por seu
agente a respeito de segredos naturais ainda desconhecidos, os missionários do
Anticristo espantarão e seduzirão as multidões com toda espécie de sortilégios;
farão descer fogo do céu, e farão falar as imagens do Anticristo que terão
erigido.
Mas
isso não é tudo. Forçarão os homens, sob pena de morte, a adorar essas imagens
falantes. Obrigarão os homens a levarem na mão direita ou na testa, o número do
monstro. E aquele que não tiver esse número não poderá nem comprar nem vender.
Aí
aparece o terrível requinte da suprema perseguição. Aquele que não levar a
estampilha do monstro estará por isso mesmo fora da lei, fora da sociedade,
passível de morte.
Mas
não vemos desde o presente se desenhar alguns ensaios dessa tirania?
O
que são todos esses mestres do ensino sem Deus, senão os precursores do
Anticristo? A Revolução quer ter seu corpo ensinante, encarregado oficialmente
de descristianizar a juventude, e de imprimir na testa de todos, pequenos e
grandes, pobres e ricos, a estampilha do Deus-Estado. O ensino obrigatório e
leigo não tem outro fim. Já se preparam leis para interditar a entrada nas
carreiras públicas de quem não tenha recebido a assinatura das escolas do
Estado. No dia em que essas leis abomináveis passarem, pode-se pôr luto pela
liberdade humana. Estaremos sob uma tirania sombria, sufocante, infernal. O
Anticristo poderá chegar.
Esperemos,
a consciência pública é ainda bastante cristã e não suportará tal tortura.
Também procura-se, de todas as maneiras possíveis, adormecê-la.
Além
disso, que os fiéis se consolem! Todos esses extremos só servirão, nos
desígnios de Deus, ao brilho da paciência e fé dos santos.
SEXTO ARTIGO Agosto de 1885
A
IGREJA DURANTE A TORMENTA
I
São
Gregório Magno, em seus luminosos comentários de Jó, penetra profundamente em
toda a história da Igreja, visivelmente animado do mesmo espírito profético
espalhado nas Escrituras.
Ele
contempla a Igreja, no fim dos tempos, sob a figura de Jó humilhado e sofredor,
exposto às insinuações pérfidas de sua mulher e às críticas amargas de seus
amigos; Jó, diante de quem, outrora, os anciãos se levantavam e os príncipes
faziam silêncio!
A
Igreja, disse muitas vezes o grande Papa, no fim de sua peregrinação terrestre,
será privada de todo poder temporal; procurarão tirar-lhe todo ponto de apoio
sobre a terra.
Vai
mais longe ainda, declara que ela será despojada do próprio brilho que provém
dos dons sobrenaturais.
“O
poder dos milagres, diz ele, será retirado, a graça das curas arrebatada, a
profecia desaparecerá, o dom de uma grande abstinência será diminuído, os
ensinamentos da doutrina se calarão, os prodígios milagrosos cessarão. Isto não
quer dizer que não haverá mais nada disso; mas todos esses sinais não brilharão
abertamente, sob mil formas como nos primeiros tempos. Será mesmo a ocasião de
um maravilhoso discernimento. Neste estado de humilhação da Igreja, crescerá a
recompensa dos bons que se prenderão a ela, tendo em vista somente os bens
celestes; quando aos maus, não vendo mais na Igreja nenhum atrativo temporal,
não terão nada a fingir, se mostrarão tais como são”. (Mor. 1, XXXV)
Que
palavra terrível: os ensinamentos da doutrina se calarão! São Gregório proclama
em outro lugar que a Igreja prefere morrer a se calar. Então ela falará: mas
seu ensinamento será entravado, sua voz encoberta; muitos dos que deveriam
gritar sobre os telhados não ousarão fazê-lo com medo dos homens.
E
será a ocasião de um grande discernimento.
São
Gregório insiste muitas vezes sobre as três categorias de pessoas que há na
Igreja: os hipócritas ou os falsos cristãos, os fracos e os fortes. Ora, nesses
momentos de angústia os hipócritas levantarão a máscara e manifestarão sua
apostasia secreta; os fracos, coitados, perecerão em grande número e o coração
da Igreja sangrará por eles; enfim, muitos dos fortes, confiantes em sua
próprias forças, cairão como as estrelas do céu.
A
despeito de todas estas tristezas pungentes, a Igreja nem perderá a coragem nem
a confiança. Ela será sustentada pela promessa do Salvador, consignada nas
Escrituras de que esses dias serão abreviados por causa dos eleitos.
Sabendo
que apesar de tudo os eleitos serão salvos, a Igreja se empenhará, no meio da
mais atroz tormenta, na salvação das almas com uma infatigável energia.
II
Apesar
do horrível escândalo desses tempos de perdição, não se deve pensar que os fracos
estarão necessariamente perdidos. A via da salvação continuará aberta e a
salvação possível para todos. A Igreja terá meios de preservação proporcionados
ao tamanho do perigo. E entre os pequenos, somente os que deixarem as asas de
sua mãe cairão nas garras do gavião.
Quais
serão esses meios de preservação? As Escrituras não nos deixam sem indicação
sobre o assunto; podemos, sem temeridade, formular algumas conjecturas.
A
Igreja se lembrará do aviso dado por Nosso Senhor para os tempos da tomada de
Jerusalém e aplicável, com o consentimento dos intérpretes, à última
perseguição.
“Quando
virdes a abominação da desolação, predita pelo profeta Daniel, de pé nos
lugares santos (aquele que lê, compreenda!), então aqueles que estão na Judéia
fujam para as montanhas... Rogai para que vossa fuga não seja no inverno, nem
em dia de sábado! Pois haverá grande tribulação, tal como nunca houve desde a
origem do mundo e que não haverá jamais. E se esses dias não fossem abreviados
ninguém se salvaria; mas eles serão abreviados por causa dos eleitos” (Mt 24,
15, 23).
De
acordo com estas instruções do Salvador, a Igreja porá os pequenos rebanhos em
segurança pela fuga; providenciará retiros inacessíveis, já que a terra estará
cruzada e varada pelos meios de comunicação. É preciso responder que Deus
proverá, ele próprio, à segurança dos fugitivos. São João nos deixa entrever
esta ação da Providência.
No
capítulo XII do Apocalipse, ele nos apresenta uma mulher vestida de sol e
coroada de estrelas: é a Igreja. Esta mulher sofre as dores do parto; pois a
Igreja dá à luz os eleitos de Deus entre grandes sofrimentos. Diante dela está
um grande dragão ruivo, imagem do diabo e de suas contínuas armadilhas. Mas a
mulher foge para o deserto, para um lugar preparado pelo próprio Deus, e lá ela
é alimentada durante 1.260 dias (Ap 5, 6). Estes 1.260 dias, que fazem três
anos e meio, indicam o tempo da perseguição do Anticristo, como está
manifestado em outras passagens do Apocalipse.
Então,
durante esse tempo, a Igreja, na pessoa dos fracos, fugirá para a solidão; e
Deus se incumbirá de mantê-la escondida e a alimentará.
No
fim do mesmo capítulo estão os detalhes desta fuga. São dadas à mulher duas
grandes asas de águia, para a transportar para o deserto. O dragão tenta
persegui-la, sua goela vomita um rio de água contra ela. Mas a terra vem
socorrer a mulher e absorve o rio. Estas palavras enigmáticas designam alguma
grande maravilha que Deus fará aparecer em favor de sua Igreja; a raiva do
dragão expiará a seus pés.
No
entanto, enquanto os fracos rezam em segurança numa misteriosa solidão, os
fortes e os valentes se engajarão numa luta terrível na presença do mundo
inteiro, com o dragão desencadeado.
III
É
fora de dúvida que nos últimos tempos haverá santos de virtude heróica. No
começo, Deus deu à Igreja os Apóstolos que abateram o império idolátrico, e que
fundaram e cimentaram a Igreja com seu sangue. No fim, Deus dará filhos e
defensores, que não se pode dizer menos santos ou menores.
Santo
Agostinho, pensando neles, exclama: “Em comparação com os santos e fiéis de
então, o que somos nós? Pois para pô-los à prova o diabo será desencadeado, e
nós o combatemos ao preço de mil perigos, estando ele atado”. E acrescenta: “No
entanto, mesmo hoje o Cristo tem soldados bastante prudentes e bastante fortes
para poderem desmanchar com sabedoria suas armadilhas e agüentar com paciência
os assaltos do inimigo mesmo se desencadeado”. (De Civ. Dei, XX, 8).
Santo
Agostinho continua perguntando: “Haverá ainda conversões nesses tempos de
perdição”?
As
crianças serão ainda batizadas apesar das proibições do monstro? Os santos de
então terão o poder de arrancar as almas da goela do dragão furioso? O grande
doutor responde afirmativamente a todas estas perguntas. Sem dúvida as
conversões serão mais raras, mas serão mais espetaculares. Sem dúvida, em regra
geral, é preciso que Satã esteja amarrado para que se possa despojá-lo (Mt 11,
29); mas nesses dias Deus se comprazerá em mostrar que sua graça é mais forte
do que o próprio forte em seu mais furioso desencadeamento.
Cada
um note o quanto estes dados são consoladores. Mas quais serão os santos dos
últimos tempos? Gostamos de pensar que entre eles haverá soldados. O Anticristo
será um conquistador, comandará exércitos; encontrará diante de si as Legiões
Tebanas, heróis desta linhagem gloriosa e indomável que tem os Macabeus como
ancestrais e que conta em suas fileiras com os Cruzados, os camponeses da
Vandea e do Tirol, enfim, os Zuavos pontificais. Estes soldados, o Anticristo
poderá esmagá-los debaixo do peso de suas inumeráveis hordas; ele não os fará
fugir.
Mas
o Anticristo será, sobretudo, um impostor; por consequência ele encontrará como
adversários principalmente os apóstolos armados com o crucifixo. Como a última
perseguição revestirá o aspecto de uma sedução, estes unirão a paciência dos
mártires à ciência dos doutores. Nosso Senhor fez Santa Teresa vê-los tendo na
mão gládios luminosos.
À
frente destas falanges intrépidas, aparecerão dois enviados extraordinários de
Deus, dois gigantes de santidade, dois sobreviventes dos tempos antigos;
referimo-nos a Henoc e Elias, de quem falaremos no artigo seguinte.
SÉTIMO
ARTIGO Setembro de 1885
HENOC
E ELIAS
Os
fatos maravilhosos que descrevemos não são suposições aventurosas; são verdades
tomadas na Santa Escritura e que seria pelo menos temerário negar.
Antes
do fim dos tempos, e durante a perseguição do Anticristo, aparecerão no meio
dos homens dois extraordinários personagens, chamados Henoc e Elias.
Quem
são estes personagens? Em que condições farão sua entrada providencial no
cenário do mundo? É o que vamos examinar à luz das Escrituras e da Tradição.
I
Henoc
é um dos descendentes de Set, filho de Adão e raiz da raça dos filhos de Deus.
Ele é o chefe da sexta geração a partir do pai do gênero humano. Eis o que o
Gênesis nos ensina a seu respeito: “e Jared viveu 162 anos e gerou Henoc... Ora
Henoc viveu 65 anos e gerou Matusalém. E Henoc andou com Deus e depois de ter
gerado Matusalém viveu 365 anos. E andou com Deus e desapareceu porque Deus o
levou” (Gn 5, 18-25).
Deus
o levou com a idade de 365 anos, quer dizer, nessa época de grande longevidade,
na idade madura. Não morreu, desapareceu. Foi transportado vivo, para um lugar
conhecido apenas por Deus. Aí está o que sabemos de Henoc, patriarca da raça de
Set, trisavô de Noé, ancestral do Salvador.
Quanto
a Elias, sua história é melhor conhecida. Henoc, anterior ao Dilúvio, nasceu
muitos milhares de anos antes de Jesus Cristo. Elias apareceu no reino de
Israel, menos de mil anos antes do Salvador; é o grande profeta da nação
judaica.
Sua
vida não podia ter sido mais dramática (Rs 3; 4). Pode-se dizer que ela é uma
profecia em ação do estado da Igreja, no tempo da perseguição do Anticristo.
Vivia errante, sempre ameaçado de morte, sempre protegido pela mão de Deus, que
ora o esconde no deserto onde corvos o alimentam, ora o apresenta ao orgulhoso
Acab, que treme diante dele. Dá-lhe as chaves do céu para desencadear a chuva ou
os raios; sobre o monte Horeb favorece-o com uma visão cheia de mistérios. Em
resumo, o faz crescer até o porte de Moisés, o Taumaturgo, de modo que com
Moisés acompanhe Nosso Senhor sobre o Monte Tabor.
O
desaparecimento de Elias corresponde a uma vida de estranha sublimidade.
Caminhando com Eliseu, seu discípulo, abre para si uma passagem no Jordão
tocando as águas com sua capa. Anuncia que vai ser arrebatado ao céu. De repente,
“enquanto caminhavam, conversavam entre si, eis que um carro de fogo e uns
cavalos de fogo os separaram um do outro; e Elias subiu ao céu no meio de um
turbilhão. E Eliseu o via e clamava: Meu pai, meu pai, carro de Israel e seu
condutor! E não o viu mais” (4 Rs 2, 11-12).
E
foi assim que Elias, o amigo de Deus, o zelador de sua própria glória, foi
arrebatado e transportado, também ele, para uma região misteriosa, onde
encontrou seu ancestral, o grande Henoc.
Qual
é essa região? Henoc e Elias estão vivos, isto é certo. Onde Deus os esconde?
Será em alguma parte inacessível do mundo aqui embaixo? Será em alguma plaga do
firmamento? Ninguém pode dizer.
Pode-se
apenas afirmar que por enquanto eles estão fora das condições humanas; os
séculos passam a seus pés sem atingi-los; permanecem na idade madura, sem
dúvida, na idade em que foram arrebatados do meio dos homens.
II
Sua
reaparição no cenário do mundo não é menos certa do que seu desaparecimento.
Assim
fala destes grandes personagens o autor inspirado do Eclesiastes, exprimindo
toda a tradição judaica.
“Henoc
agradou a Deus e foi transportado ao paraíso para pregar a penitência às
nações” (Ecle 44, 15).
“Quem
pode se gloriar como tu, ó Elias? Tu foste arrebatado ao céu num redemoinho de
fogo, numa carroça tirada por cavalos ardentes; tu, de quem está escrito que no
tempo dos julgamentos virás para abrandar a ira do Senhor, para reconciliar o
coração dos pais com os filhos e para restabelecer as tribos de Jacó” (Ib, 47).
Estas
palavras de um livro canônico nos esclarecem que Henoc e Elias têm uma missão
futura a cumprir. Henoc deve pregar a penitência às nações, ou, se preferir em
outra tradução, levar as nações à penitência. Elias deve, um dia, restabelecer
as tribos de Israel, quer dizer, devolver o lugar de honra a que elas têm
direito na Igreja de Deus.
A
unanimidade dos doutores compreendem que esta dupla missão se realizará
simultaneamente no fim do mundo. Elias, em particular, é considerado o
precursor de Jesus Cristo que vem do céu como juiz; este pensamento salta
manifestamente dos Evangelhos (Mt 17; Mc 9).
Então,
os homens verão um dia, e não sem espanto, Henoc e Elias reaparecerem no meio
deles e pregarem penitência com extraordinário brilho. São João os chama as
duas testemunhas de Deus, e assim os descreve no seu Apocalipse (11, 3-7).
“Eles
profetizarão durante 1.260 dias, revestidos de saco”.
“São
as duas oliveiras e os dois candelabros postos diante do Senhor da terra”.
“Se
alguém lhes quiser fazer mal, sairá fogo de suas bocas que devorará os seus
inimigos; e se alguém os quiser ofender, é assim que deve morrer”.
“Eles
têm o poder de fechar o céu para que não chova durante o tempo que durar sua
profecia; e têm poder sobre as águas, para as converter em sangue e de ferir a
terra com todo o gênero de pragas, todas as vezes que quiserem”.
Quem
não reconhece neste retrato o Elias do Antigo Testamento, fechando o céu
durante três anos e fazendo descer fogo do céu sobre os soldados que vinham
para leva-lo.
Os
1.260 dias marcam o tempo da perseguição final, como já fizemos observar.
Assim, o aparecimento das testemunhas de Deus coincidirá com a perseguição do
Anticristo.
É
preciso reconhecer que o socorro trazido pela Igreja será proporcional ao
tamanho do perigo.
As
duas testemunhas de Deus, revestidas das insígnias da mais austera penitência,
irão por toda parte, e por toda parte serão invulneráveis; uma nuvem, por assim
dizer, os cobrirá e lançará fogo contra quem quer que ouse tocá-los. Terão em
suas mãos todos os flagelos para desencadeá-los à vontade sobre toda a terra.
Pregarão com uma soberana liberdade em presença do próprio Anticristo.
Este
tremerá de raiva; e haverá um duelo terrível entre o monstro e os dois
missionários de Deus.
OITAVO ARTIGO Outubro de 1885
A
CRISE FINAL
I
Paremos
um instante diante dos intrépidos missionários de Deus e notemos a oportunidade
divina de sua aparição.
Segundo
São Pedro: “nos últimos tempos virão embusteiros, zombadores sedutores vivendo
as suas concupiscências, dizendo: Onde está a promessa e a vinda (de Jesus
Cristo)? Desde que nossos pais morreram tudo continua como desde o princípio da
criação” (2 Pd 3, 3-4).
Esses
sedutores, estes embusteiros, os estamos vendo com nossos próprios olhos,
ouvindo com nossos ouvidos. Chamam-se racionalistas, materialistas,
positivistas: negam, “a priori”,
toda causa superior, todo fato sobrenatural; não se interessam em saber de onde
vêm, nem para onde vão; semelhantes aos insensatos do livro da Sabedoria olham
a vida como uma dessas nuvens da manhã que não deixam rastro ao raiar do sol. O
que está além do túmulo, chamam o grande desconhecido; recusam-se
terminantemente a investigá-lo. Em conseqüência, o todo do homem, a seus olhos,
está em gozar o mais possível o momento presente, pois tudo o mais é incerto.
Esses
falsos sábios relegam os escritos de Moisés a cosmogonias fabulosas. Recusam-se
a reconhecer algum valor histórico nos livros santos. Segundo o que dizem,
todos esses documentos, em contradição com a ciência, seriam obras de um judeu
exaltado, Esdras, que quis realçar sua nação.
Quanto
à vinda de Jesus Cristo, à ressurreição geral, ao julgamento final, às
recompensas e às penas eternas, tratam como sonhos absurdos. Asseguram que a
humanidade, em via de um indefinido progresso, encontrará um dia o paraíso na
terra.
Ora,
para confundir esses impostores, Deus suscitará Henoc, representante do período
antediluviano; Henoc, quase contemporâneo das origens do mundo. Suscitará
Elias, representante do judaísmo mosaico; Elias que, de um lado, toca Salomão e
David de outro Isaías e Daniel.
Estes
grandes homens virão, com indiscutível autoridade, estabelecer a autenticidade
da Bíblia, e mostrar que o Cristianismo está ligado à era dos profetas até
Moisés e à era dos patriarcas até Adão. Neles se levantarão todos os séculos
para renderem testemunho à verdade da revelação. Nunca a divindade do Cordeiro
que foi morto desde a origem do mundo (Ap 13, 8) resplandecerá de modo mais
fulgurante.
Ao
mesmo tempo anunciarão com veemência a aproximação do julgamento. Retomando as
palavras de São João, clamarão a todos os confins do mundo: “Fazei dignos
frutos de penitência... o machado já está posto à raiz das árvores... Ele tem a
pá em sua mão e limpará bem a sua eira, e recolherá o trigo no celeiro mas
queimará as palhas em um fogo inextinguível” (Mt 3, 8-13).
Continuando
a predição do Eclesiástico, Henoc pregará a penitência às nações, que
compreendem todos os povos fora do judaísmo; ele lhes falará com a majestade de
um antepassado e lhes fará conhecer e reconhecer Jesus Cristo, o Desejado das
Nações.
Elias
se dirigirá especialmente aos judeus que esperam Sua vinda; ele se dará a
conhecer por sinais de extrema evidência; fará Jesus brilhar a seus olhos,
Jesus que é osso de seus ossos e carne de sua carne.
É
fora de dúvida que a essas pregações, apesar das ameaças e dos tormentos,
seguirão numerosas e estrondosas conversões, principalmente do lado dos judeus;
isto está formalmente predito.
As
duas testemunhas de Deus pregarão tanto juntas como separadas; e durante três
anos e meio percorrerão verdadeiramente a terra toda. Os jornais farão em volta
deles a conspiração do silêncio (como em volta dos milagres de Lourdes); mas
eles se imporão à atenção do mundo. O Anticristo tentará em vão apanhá-los,
pois o fogo devorará quem quer que ouse lhes tocar. Eles passarão com o gládio
da justiça de Deus no meio dos homens que vivem no prazer e no deboche; eles os
ferirão com chagas horríveis.
No
entanto, assim como a missão de Nosso Senhor, a deles terá um tempo
determinado. Em dado momento perderão a assistência sobrenatural que os
protegia até então. Escutemos São João.
II
“E
depois que tiverem acabado de dar o seu testemunho, a fera que sobe do abismo
fará guerra contra eles, e vencê-los-á e matá-los-á”.
“E
os seus corpos ficarão estendidos nas praças da grande cidade, que se chama espiritualmente
Sodoma e Egito, onde também o Senhor deles foi crucificado”.
“E
os homens de diversas tribos, e povos e línguas e nações verão os seus corpos
durante três dias e meio; e não permitirão que seus corpos sejam sepultados”.
“E
os habitantes da terra se alegrarão por causa deles e farão festas e mandarão
presentes uns aos outros porque esses dois profetas os tinham atormentado”.
“Mas
depois de três dias e meio o espírito de vida entrou neles da parte de Deus. E
eles puseram-se em pé, e apoderou-se um grande temor dos que os viram.”
“E
ouviram uma grande voz do céu que lhes dizia: Subi para cá”. E subiram ao céu
numa nuvem e seus inimigos foram testemunhas disso.
“E
naquela mesma hora deu-se um grande terremoto e caiu a décima parte da cidade;
e no terremoto morreram sete mil homens e os restantes, atemorizados, deram
glória ao Deus do céu” (Ap 11, 7-14).
Que
conclusão de uma drama inaudito! Que afirmação do sobrenatural! Os dois
profetas se encontrarão em Jerusalém, onde seu Senhor foi crucificado.
Participarão das divinas fraquezas de Jesus; como ele serão presos, como ele
julgados, como ele atormentados, como ele serão mortos, talvez na cruz.
Pensar-se-á
que chegou o fim. O Anticristo parecerá triunfar em toda a linha. Zombarão dos
dois profetas: rirão e dançarão em torno de seus cadáveres; deixá-los-ão sem
sepultura para se regalarem à vontade.
Mas
de repente os dois profetas ressuscitarão; uma grande voz soará do alto do céu
e eles subirão ao céu diante de uma multidão inumerável tomada de súbito
terror. Haverá um grande terremoto na cidade deicida; sete mil homens perderão
a vida, outros baterão no peito e darão graças a Deus.
Repetimos,
que drama, que desenlace!
O
que fará o Anticristo diante de tais prodígios? Espumará de raiva, sentirá que
tudo lhe escapa, que a hora da justiça está próxima.
Pode-se
acreditar que nesse mesmo instante surgirá sua punição prescrita por São Paulo:
“Jesus Cristo o matará com o sopro de sua boca e o destruirá pelo brilho de sua
vinda” (3 Ts 2, 8).
No
entanto, segundo os cálculos de Daniel, parece que o castigo do monstro será
atrasado trinta dias depois da assunção triunfante de Henoc e Elias. Daniel diz
que a partir da supressão do sacrifício perpétuo, quando aparecerá a abominação
da desolação, passarão 1.290 dias (Dn 12, 11), por consequência 30 dias mais do
que o tempo da pregação de Henoc e de Elias.
Durante
esse intervalo, o Anticristo tentará de todo jeito retomar a influência
perdida. Não queremos admitir nenhuma visão no âmbito deste relato; se fazemos
exceção para a de Santa Hildegarda sobre o fim do inimigo de Deus é porque não
passa de um comentário da palavra de São Paulo: Jesus o matará com o sopro de
sua boca!
A
Santa vê em espírito o monstro, cercado de seus oficiais e de imensa multidão,
subir uma montanha. Chegando ao cume, anuncia que vai elevar-se nos ares. Foi
elevado, com efeito, como Simão o mágico, pelo poder do demônio. Mas nesse
momento reboa um forte trovão e ele cai fulminado. Seu corpo se decompõe na
mesma hora e exala um fedor intolerável e todos fugirão apavorados.
Assim,
ou de maneira análoga, acabará o inimigo de Deus.
E
seu imenso império se evaporará como uma fumaça. O mundo se sentirá aliviado de
um peso esmagador. E haverá uma conversão geral que no dizer de São Paulo
parecerá uma ressurreição. Disso falaremos no próximo artigo.
NONO ARTIGO novembro 1885
A
CONVERSÃO DOS JUDEUS
A Santa Escritura nos assinala um grande acontecimento que se
nos mostra entrelaçado na guerra que o Anticristo desencadeará contra a Igreja:
a conversão dos judeus.
Deixamos este assunto de lado até aqui para tratá-lo com mais
detalhes. Além disso, aqui ele estará muito bem colocado, pois a conversão dos
judeus nos é apresentada como fruto da pregação de Elias.
I
O povo judeu é o ponto em torno do qual gira a história da
humanidade. Ele recebeu o toque de Deus na pessoa de Abraão de onde saiu. É,
antes da vinda de Nosso Senhor, o povo sacerdotal por excelência, cujo estado,
no testemunho de Santo Agostinho, é inteiramente profético; dele nasceu a
Santíssima Virgem e o Salvador do mundo; ele formou o núcleo da Igreja
nascente. Todos esses privilégios fazem da raça judia uma raça excepcional
cujos destinos são misteriosos.
Por uma inversão estranha e lamentável, no momento em que ela
produz o Salvador do mundo, a raça eleita, a raça bendita entre todas merece
ser condenada. Recusa reconhecer, em sua humildade, Aquele em quem ela não sabe
adorar as grandezas invisíveis. Parece que Deus quis mostrar assim que não há
nada da carne e do sangue na vocação do cristianismo, já que aqueles mesmos a
quem pertencia o Cristo, segundo a carne (Rm 9, 5), são rejeitados por causa de
seu orgulho tenaz e carnal.
Será uma condenação definitiva? Permanecerão presas de Satã
excluídos do resto do mundo pela cruz do Senhor? Deus não permita! Deus prepara
supremas misericórdias para o povo que foi seu.
A esse povo, a quem foi dito: “Não sois mais meu povo”, será
dito um dia: “Vós sois os filhos do Deus vivo”. (Os 3, 4-5). Depois de ter
ficado longos anos sem rei, sem príncipe, sem sacrifício, sem altar, os filhos
de Israel procurarão o Senhor seu Deus; e isso acontecerá no fim dos tempos.
(Id. III, 4, 5)
Elias será o instrumento dessa volta maravilhosa. “Eu vos
enviarei, diz o Senhor em Malaquias, o profeta Elias, antes que venha o grande
e terrível dia do Senhor. E ele voltará o coração dos pais para os filhos, o
coração dos filhos para os pais” (Ml 4, 5-6).
Quer dizer, restabelecerá a harmonia dos mesmos amores, das
mesmas adorações entre os santos antepassados do povo judeu e seus últimos
descendentes.
São Paulo insiste por sua vez sobre esse acontecimento tão
consolador. Ele vê na condenação dos Judeus a causa ocasional da vocação dos
Gentios. Depois acrescenta: “Porque eu não quero, irmãos, que vós ignoreis este
mistério, que uma parte de Israel caiu na cegueira até que tenha entrado a
plenitude das nações e então todo Israel se salve” (Rm 11, 25).
Tal é o desígnio de Deus. É preciso que toda a gentilidade
entre na Igreja; e que, quando terminar o desfile das nações, Israel entre por
sua vez. Este será o grande jubileu do mundo; a graça se espalhará por
torrentes. Tomando as profecias ao pé da letra, todos os judeus que então
estiverem vivos, ainda que numerosos como as areias do mar, serão salvos até o
último (Rm 9, 27).
Para compreender os frêmitos profundos que esse grande
acontecimento fará correr pelo mundo, é preciso usar as figuras proféticas
pelas quais Deus houve por bem anunciá-lo.
O povo judeu entrando na Igreja, é Esaú se reconciliando com
Jacob. Com que ternura! “Correndo ao encontro de seu irmão, Esaú abraçou-lhe o
pescoço e beijando-o, chorou”.
Mas é sobretudo José reconhecido por seus irmãos que é o
verdadeiro símbolo de Jesus reconhecido por seus irmãos, os judeus! Outrora
venderam-no e crucificaram-no e agora uma imperativa necessidade de verdade e
de amor leva-os a seus pés no fim dos tempos. Que encontro! Que espetáculo!
Jesus, com todo o brilho de seu poder, desvendando aos judeus os tesouros de
seu coração, e lhes dizendo: “Eu sou José, eu sou Jesus a quem vós vendestes!”
(Gn 45).
Abri enfim o Evangelho, na página do filho pródigo (Lc 15).
Esse pródigo que vem de tão longe são os pobres gentios entrando na Igreja. Os
judeus são representados pelo filho mais velho, ciumento, egoísta, que se
obstina em permanecer de fora porque seu irmão foi recebido em casa. O pai sai
e lhe faz instantes rogos, coepit illum
rogare. Esse desnaturado recusa escutar o pai;
mas por fim o escutará, entrará e essa entrada trará alegria dobrada à casa
paterna.
Não, não se pode imaginar qual será a alegria da Igreja quando
ela abrir seu seio de mãe aos filhos de Jacó. Não se pode imaginar as lágrimas,
os transportes de amor destes quando for retirado o véu de seus olhos,
reconhecerem seu Jesus. Qual será o momento preciso deste grande acontecimento?
Esta é a dificuldade. Sem pretender resolvê-la, esperamos esclarecê-la um
pouco.
II
Segundo a tradição, parece certo que o Anticristo será de
nacionalidade judia. Ele aparecerá como o produto desta fermentação de ódio que
há séculos exaspera o coração dos judeus contra Jesus, seu terno irmão, seu
incomparável amigo. Também parece certo que os judeus, em boa parte, acolherão
esse falso messias seguindo-o em cortejo e lhe submetendo o mundo pela má
imprensa e pela alta finança.
Mas desde o tempo que precederá o homem do pecado, se formará
entre os judeus uma corrente de adesão à Igreja! Os grandes acontecimentos têm
prelúdios que os anunciam.
São Gregório declara que o furor da perseguição do Anticristo
cairá principalmente sobre os judeus convertidos a quem ninguém igualará na
constância em suportar todos os ultrajes e todos os tormentos pelo nome mil
vezes bendito de Jesus.
Esta passagem de São Gregório é muito importante para ser
omitida.
O grande papa explica uma das grandes profecias em ação de
Ezequiel (Ez 3). É um drama em três atos. 1°) Deus ordena que o profeta saia
para o campo; esta saída representa a difusão do Evangelho entre os gentios.
2°) Manda que volte para casa, onde é atado com cadeias, aprisionado e reduzido
ao silêncio: isso indica como o Evangelho será pregado pelos judeus aos
próprios judeus, dos quais alguns se converterão, outros prenderão os pregadores
e os oprimirão com maus tratos, durante a perseguição do Anticristo. 3°) Deus
aparece, abre a boca do profeta que fala com mais força do que nunca; é o que
acontecerá na vinda de Elias que, com suas pregações inflamadas e
irresistíveis, converterá os restos de sua nação (In Ezeq. lib I, hom XIII).
Não nos cansamos de admirar a lucidez profética de São
Gregório. Ele distingue de antemão as fases do grande acontecimento que nos
ocupa: cisão do povo judeu em duas partes, opressão dos convertidos pelos
refratários, conversão total operada por Elias.
O santo Papa assegura, em seus comentários sobre Jó, que esta
volta definitiva dos restos de Israel será feita diante dos próprios olhos e a
despeito da raiva do Anticristo (Mor. lib XXXV e XIV). Se a Igreja goza de
semelhantes consolações debaixo do fogo da perseguição, qual não será esse gozo
na hora do triunfo! É o que vamos considerar rapidamente.
III
Deus emprega anjos maus para destruições necessárias. O
Anticristo, a seu modo e sem o querer, será a vara de Deus.
Esta vara de ferro pulverizará os cismas, as heresias, as
falsas religiões, os restos do paganismo, o maometismo e o próprio judaísmo:
ela esmagará o mundo em favor de uma prodigiosa unidade.
Quando esse colosso de impiedade for abatido pela pedrinha,
esta se tornará uma montanha imensa e cobrirá a terra; o Evangelho, não tendo
mais nenhuma sorte de obstáculo, reinará sem contradição sobre o universo
inteiro.
Os judeus serão os primeiros operários desse estabelecimento do
reino de Deus. São Paulo se extasia diante das grandes coisas que resultarão de
sua conversão. “Se o pecado dos judeus foi a riqueza do mundo e a sua redução a
riqueza das nações quanto mais sua adesão total? ... se sua perda é a
reconciliação do mundo o que será a sua entrada na Igreja senão uma
ressurreição?” (Rm 11, 12, 15). Tememos enfraquecer estas antíteses enérgicas,
comentando-as. É legítimo concluir que os judeus convertidos porão a serviço da
Igreja um inestimável ardor de proselitismo. Rejuvenescida por essa infusão de
vida, a Igreja sairá das garras da perseguição como de um túmulo, e tomará
posse do mundo com a majestade de uma rainha e a ternura de uma mãe.
Serão esses acontecimentos o prelúdio imediato do último
julgamento ou a aurora de uma nova era? Falaremos sobre as conjecturas que se
pode formular sobre esta questão.
DÉCIMO ARTIGO Janeiro 1886
A VINDA DO SOBERANO JUIZ
É supérfluo procurar precisar a hora em que terá lugar a
segunda vinda de Nosso Senhor. É um impenetrável segredo para todas as
criaturas. “Quanto àquele dia e àquela hora, nos diz Jesus Cristo, ninguém
sabe, nem os anjos do céu, mas só o Pai” (Mt 24, 36).
No entanto, esse momento supremo, que porá fim a este mundo de
pecado, será precedido de sinais estrondosos que fixarão a atenção não somente
dos crentes mas também dos ímpios.
Primeiramente, como mostramos, haverá a perseguição do
Anticristo, a aparição de Henoc e de Elias. Quando São Paulo nos diz que Jesus
Cristo matará o ímpio com o sopro de sua boca, e o destruirá com o brilho de
sua vinda, parece que o castigo do Anticristo coincidirá com a vinda do
soberano juiz. No entanto, não é esse o sentimento geral dos intérpretes.
Pode-se explicar São Paulo dizendo que a destruição do ímpio só será consumada
no dia do julgamento geral, se bem que sua morte tenha tido lugar tempos antes.
De outro lado, os Evangelhos insinuam bem claramente que haverá um certo lapso
de tempo, se bem que relativamente curto, entre a punição do monstro e a
consumação de todas as coisas.
O que diz, com efeito, Nosso Senhor? Ele começa por pintar uma
tal tribulação como nunca houve desde o começo do mundo: é a perseguição do
Anticristo. Depois acrescenta: “Logo depois da tribulação daqueles dias,
escurecer-se-á o sol, a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu e
as potestades do céu serão abaladas. E então aparecerá o sinal do Filho do
homem no céu; e todas as tribos da terra chorarão e verão o Filho do Homem vir
sobre as nuvens do céu com grande poder e majestade” (Mt 24, 29-30).
Estes sãos os sinais que precederão imediatamente a vinda de
Jesus Cristo como Juiz. Mas como conciliar todos esses terríveis prelúdios com
essa surpresa e imprevisão que segundo outros textos do Evangelho caracterizam
esse acontecimento? Um pouco mais adiante, com efeito, Nosso Senhor nos apresenta
os homens dos últimos dias do mundo semelhantes aos contemporâneos de Noé que o
Dilúvio surpreende comendo e bebendo, casando-se e dando as filhas em casamento
(Id., ibid., 36-40). Santo Tomás responde a essa objeção dizendo que todos os
abalos precursores do fim do mundo podem ser considerados como fazendo corpo
com o próprio julgamento, parecendo esses estalos sinistros que não se
distinguem do desmoronamento que os segue. Antes de todos esses terríveis
presságios, os homens poderão zombar das advertências da Igreja. Mas ouvindo o
estalar da máquina do mundo, empalidecerão; e como diz São Lucas, secarão de
medo, à espera do que sobrevirá ao universo (Lc 21, 26).
Santo Tomás difunde uma luz viva sobre os tempos que passarão
entre a morte do Anticristo e a vinda de Jesus Cristo, quando diz: “Antes que
comecem a aparecer os sinais do julgamento, os ímpios crerão estar em paz e
segurança, a saber, depois da morte do Anticristo, porque não verão o mundo
acabar, como antes estimavam. (Suppl. Q. LXXI, art. I, ad. 1). Com a ajuda
desta palavra podemos formar conjecturas mais plausíveis sobre os últimos
tempos do mundo; e nossos leitores não deixarão de se interessar recebendo
essas conjecturas a título de simples probabilidade.
II
Dissemos e mantemos como incontestável que a morte do
Anticristo será seguida de um triunfo sem igual da Santa Igreja de Jesus
Cristo. As alegrias proféticas de Tobias recuperando a vista ao mesmo tempo que
reencontra o filho, a embriagadora alegria dos judeus com a queda de Aman e de
seus satélites, os transportes dos habitantes de Betúlia, libertados por Judith
do círculo de ferro que os apertava; a purificação do templo pelos Macabeus
vencedores do ímpio Antíoco; enfim e sobretudo o calmo e pacífico triunfo de Jó
restabelecido por Deus em todos os seus bens, vendo acorrer a seus pés amigos e
parentes arrependidos e reunindo todos em um banquete religioso: todas essas
imagens exprimem insuficientemente o estado da Santa Igreja, abrindo seu
coração e seus braços a seus inimigos como a seus filhos, aos judeus
convertidos como aos heréticos reconciliados, aos descendentes de Cam como aos
filhos de Sem e de Jafé, em uma palavra, realizando a unidade comprada pelo
preço do sangue de um Deus, um só rebanho e um só pastor!
Certamente, e mesmo neste período de triunfo, haverá ainda maus
e ímpios; mas é nos permitido pensar que eles se esconderão e que desaparecerão
na intensidade da alegria pública.
Infelizmente esses belos dias não durarão mais do que o tempo
de poder esquecer os solenes acontecimentos que os fizeram nascer. Pouco a
pouco a tibieza sucederá ao fervor; e essa passagem insensível se fará tão mais
depressa quanto menos inimigos a Igreja tiver então para combater.
O estimado autor, Padre Armijon, pinta assim o estado no qual o
mundo então cairá:
“A queda do mundo, diz ele, terá lugar instantaneamente e de
improviso: veniet dies Domini sicut fur (2 Ped 3, 10). — Acontecerá em uma
época em que o gênero humano, mergulhado no mais profundo desleixo, estará a
mil léguas de sonhar com o castigo e com a justiça. A misericórdia divina terá
esgotado todos os meios de ação. O Anticristo terá aparecido. Os homens
espalhados em todos os espaços terão sido chamados ao conhecimento da verdade.
A Igreja Católica por uma última vez terá desabrochado na plenitude da sua vida
e da sua fecundidade. Mas todos esses favores assinalados e superabundantes,
todos esses prodígios serão novamente apagados do coração e da memória dos
homens. A humanidade, por um abuso criminoso das graças, voltará a seu vômito.
Voltando todas as suas aspirações para a terra, dará as costas a Deus, a ponto
de não ver mais o céu nem se lembrar de seus justos julgamentos (Dn 13, 9).
Toda fé estará extinta nos corações. Toda carne terá corrompido seu caminho. A
Divina Providência julgará que já não há mais remédio.
Será, diz Jesus Cristo, como no tempo de Noé. Os homens viviam
despreocupados, plantavam, construíam casas suntuosas, escarneciam
prazerosamente do simplório Noé que se dedicava à profissão de carpinteiro,
trabalhando dia e noite para construir sua barca. Diziam: que louco, que
visionário! Isto durou até o dia em que veio o dilúvio e submergiu toda a
terra: venit diluvium et perdidit omnes (Lc 17, 27).
Assim a catástrofe final se produzirá quando o mundo estiver
mais em segurança; a civilização estará em seu apogeu, o dinheiro abundará nos
mercados e nunca os fundos públicos estarão tão altos. Haverá festas nacionais,
grandes exposições; a humanidade regurgitando de uma prosperidade material
nunca vista, dirá como o avarento do Evangelho: Minha alma, tu tens bens por
longos anos, beba, coma, divirta-se... Mas, de repente, no meio da noite, in media nocte —
pois haverá trevas, e nessa hora fatídica da meia-noite, quando o Salvador
apareceu pela primeira vez em sua baixeza, é que ele reaparecerá em sua glória;
— os homens, acordados em sobressalto, ouvirão um grande estrondo e um grande
clamor, e uma voz se fará ouvir: Deus está aqui, saí a seu encontro, exite obviam ei (Mt
25, 6).
E o autor acrescenta que os homens não terão tempo para se
arrependerem. Aqui nos separamos dele. A grande catástrofe será precedida de
sinais apavorantes cujo conjunto formará um supremo apelo da misericórdia
divina; bem cego e bem endurecido será quem resistir a tudo isso!
O sol se obscurecerá como que esgotado por um desperdício de
luz. A lua não receberá mais nem um raio suficiente para brilhar. O céu se
fechará como um livro invadido por uma obscuridade espessa. As potências do céu
serão abaladas; pois as leis dos movimentos dos corpos celestes parecerão suspensas.
Haverá uma profunda comoção no mar, um grande estrondo de ondas elevadas, a
terra sacudida por movimentos insólitos; e os homens não saberão onde se
lançarem para fugir dos elementos desencadeados. Enfim, a terra se abrirá e
lançará globos de chamas que provocarão um abrasamento geral enquanto que
aparecerá nos ares uma cruz faiscante anunciando a vinda do soberano Juiz.
Quanto tempo durarão esses sinais? Ninguém sabe. O que a
Escritura nos diz é que os homens secarão de pavor. E acontecerá com eles o que
aconteceu aos contemporâneos de Noé. Enquanto ele continuava a arca,
escarneciam dele; mas quando o Dilúvio começou a invadir tudo, todos tremeram,
e muitos, segundo o testemunho de São Pedro, se converteram. É-nos permitido
esperar que também, à aproximação do julgamento, uma parte dos homens, vendo o
céu se velar e sentindo a terra faltar sob os pés, façam um ato de contrição
suprema e voltem ao estado de graça com Deus.
DÉCIMO PRIMEIRO ARTIGO fevereiro de 1886
CONCLUSÃO
Chegamos ao termo do nosso estudo.
Lançando um olhar sobre nossos destinos futuros, nos apoiamos
unicamente nessas profecias que formam parte integrante da Escritura divina
inspirada.
A substância de nosso trabalho é pois tirada das próprias
fontes onde se alimenta a fé católica; e nós pensamos que não se possa negar
sem temeridade, o que adiantamos no tocante ao acontecimento do Anticristo, o
aparecimento de Henoc e Elias, a conversão dos judeus, os sinais precursores do
julgamento.
Onde poderíamos nos enganar, seria nos comentários que fizemos
de diversas passagens do Apocalipse, assim como no encaminhamento que
procuramos estabelecer entre os acontecimentos citados mais acima. Mas se
erramos foi seguindo intérpretes autorizados, no mais das vezes os padres da
Igreja.
Estaremos errados em ver no presente estado do mundo os
prelúdios da crise final que está descrita nos Livros Santos? Não cremos. A
apostasia começada nas nações cristãs, o desaparecimento da fé em tantas almas
batizadas, o plano satânico da guerra travada contra a Igreja, a chegada ao
poder das seitas maçônicas são tais fenômenos que não poderíamos imaginar mais
terríveis.
No entanto, não gostaríamos de forçar nosso pensamento.
A época em que vivemos é indecisa e atormentada. A humanidade
está inquieta e hesitante. Ao lado do mal há o bem; ao lado da propaganda
revolucionária e satânica há um movimento de renascimento católico, manifestado
em tantas obras generosas e santas empresas. As duas correntes se desenham cada
dia mais claramente; qual das duas arrastará a humanidade? Só Deus sabe, Ele
que separa a luz das trevas, e marca seus respectivos lugares (Jó 38, 19-20).
Aliás, é certo que a carreira terrestre da Igreja está longe de
ser encerrada: talvez ela nunca tenha estado tão aberta. Nosso Senhor nos deu a
conhecer que o fim dos tempos não chegará antes que o Evangelho tenha sido
pregado em todo o universo, em testemunho a todas as nações (Mt 24, 14). Ora,
pode-se dizer que o Evangelho foi pregado no coração da África, na China, no
Tibet? Alguns raios de luz não fazem um dia: alguns faróis acesos ao longo das
costas não afastam a noite das terras profundas que se estendem por trás delas.
Como a Igreja percorrerá essa etapa? Sob que auspícios levará
às nações que o ignoram ou que o receberam insuficientemente, o testemunho
prometido por Nosso Senhor? Será uma época de relativa paz? Será entre as
angústias de uma perseguição religiosa? Pode-se formular hipóteses nos dois
sentidos. A Igreja se desenvolve de uma maneira que desconcerta as previsões
humanas; quem se lembra das maravilhosas conquistas feitas em terras de infiéis
no momento mais agudo da crise do protestantismo?
Na realidade, a mais absoluta confiança nos magníficos
desígnios futuros da Igreja não é incompatível com nossas reflexões e nossas
conjecturas sobre a gravidade da situação presente.
Estimando que assistimos aos prelúdios da crise que trará a
aparição do Anticristo no cenário do mundo, nos guardamos de querer precisar o
tempo e o momento; o que veríamos como uma temeridade ridícula. Que se nos
permita uma comparação que explicará nosso pensamento.
Acontece ao viajante descobrir, em certo ponto da estrada, uma
vasta extensão de terra, limitada no horizonte por montanhas longínquas, mas
que não saberia avaliar a distância que o separa delas. Quando empreende
atravessar essa distância intermediária, encontra barrancos, colinas, riachos,
e o fim parece se afastar à medida que ele se aproxima.
Assim são, para nós, os tempos presentes, em nossa humilde
opinião. Podemos pressentir a crise final vendo se urdir e se desenvolver sob
nossos olhos o plano satânico do qual ela será o coroamento. Mas do ponto em
que estamos até a hora da crise quantas surpresas nos estão reservadas para o
futuro! Quantas restaurações do bem, sempre possíveis! E também quanto
progresso do mal! Quantas alternativas na luta! Quantas compensações ao lado
das perdas! É nisto que é preciso reconhecer, com Nosso Senhor, que só ao Pai
pertence dispor dos tempos e dos momentos. Non est vestrum nosse tempora vel
momenta, quæ Pater possuit in sua potestate (At 1, 7).
Nesta incerteza, dominada pelo pensamento da Providência, o que
fazer? Vigiar e orar.
Vigiar e orar, porque os tempos estão incontestavelmente
perigosos, instabut tempora periculosa (2 Tm, 3, 8); porque nesta época de
escândalo é grande o perigo de perder a fé.
Vigiar e orar, para que a Igreja faça sua obra de luz, a
despeito dos homens das trevas.
Vigiar e orar para não cair em tentação. Vigiar e orar todo o
tempo, para sermos achados dignos de fugir dessas coisas que sobrevirão no
futuro e de nos mantermos em pé em presença do Filho do homem, Vigilat, omni tempore orantes ut digni habeamini fugere ist
omnia quæ futura sunt et stare ante filium hominis (Lc 21, 24).
(Tradução: Anna Luiza Fleichman - Publicado em PERMANÊNCIA n°s
198-199 e 206-207)
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