terça-feira, 11 de outubro de 2011

São Francisco de Sales; Bispo, Doutor da Igreja


Príncipe de Genebra - Padroeiro dos jornalistas Católicos
Fundador da Congregação da Visitação
(21/08/1567 - 28/12/1622)
Francisco de Sales, tão conhecido e tão amado de todos, nasceu em 21 de agosto de 1567, no castelo de Sales, a três léguas de Annecy. Teve por pai Francisco conde de Sales, e por mãe Francisca de Sionas ambos de ilustre nascimento, mas muito menos recomendáveis pela nobreza do sangue do que pela piedade que professavam. Desde os primeiros meses de gravidez, a condessa de Sales ofereceu ao Senhor a criança que trazia, rogando-lhe, com os sentimentos da mais terna devoção, que a preservasse da corrupção do século e a privasse, antes, do prazer de se ver mãe a permitir que desse à luz uma criança bastante infeliz para tornar-se, um dia, seu inimigo pelo pecado.

"Nasceu Francisco ao cabo de sete meses, apesar das precauções tomadas pela mãe, o que fez com que nos primeiros anos fosse extremamente fraco. Houve muito trabalho para criá-lo, e várias vezes desesperaram os médicos de salvar-lhe a vida. Escapou, entretanto, aos perigos

Da infância e tornou-se grande e robusto. Descobriu-se nele, à medida que as feições se lhe iam formando, um; uma beleza e um encanto que não permitiam que se visse, sem amá-lo. Ao exterior tão vantajoso, unia uma natureza excelente uma grande penetração de espírito, uma rara modéstia, uma singular doçura e absoluta submissão aos pais e mestres.

A condessa, cuidadosa em afastar do filho tudo quanto tivesse até a aparência do vício, não o perdia um instante de vista. Levava-o à igreja e inspirava-lhe um profundo respeito pela casa de Deus e por todas as coisas da religião; lia-lhe a vida dos santos e aliava a tal leitura reflexões. Quis, até, que a acompanhasse quando visitava os pobres, que lhes prestasse os pequenos serviços de que era capaz e distribuísse esmolas. O menino correspondeu perfeitamente aos cuidados tomados pela virtuosa mãe para formá-lo aos exercícios da piedade cristã. Fazia as orações com um recolhimento e uma devoção que não eram próprios da sua idade. Amava ternamente os pobres, e quando já não tinha o que lhes dar, solicitava em favor deles a liberalidade de todos os parentes; poupava uma parte da nutrição para melhor assistir a eles. Tinha a sua sinceridade alguma coisa de extraordinário; todas às vezes, em que lhe acontecia tombar nos erros costumeiros dos meninos, preferia ser castigado a evitar o castigo por uma mentira. A condessa de Sales, conhecedora dos perigos tão comuns nas escolas públicas, pretendia que a elas não fosse enviado o filho, e que, pelo contrário, se contratassem mestres capazes, de lhe ensinar as letras humanas; mas o conde, sabendo que a emulação não contribuiu pouco para o progresso dos meninos nas ciências divergiu, e persuadiu-a de que Deus conservaria disposições de que era autor. O jovem conde, que ainda não contava seis anos, foi enviado ao colégio da Roche, de onde se transferiu, em seguida, para o de Annecy. Os progressos distinguiram-no, em breve, dos coetâneos. Unia a maior aplicação a uma excelente memória, viva concepção, sólido julgamento; as lições dos mestres não bastavam para ocupá-lo, e ele as completava com outros exercícios adequados a lhe ampliar os conhecimentos; mas o seu amor ao estudo não prejudicava os deveres da piedade. Na distribuição dos momentos, sabia arranjar intervalos para nutrir o coração com a leitura de bons livros, sobretudo com a da vida dos santos. Disposições tão raras num menino fizeram com que o conde de Sales julgasse perder o filho o tempo em Annecy; resolveu, pois, em 1578, mandá-lo a Paris para lá terminar os estudos. Tinha então Francisco onze anos.

A condessa, que ia perder o filho por longo tempo, redobrou de zelo para firmá-lo na virtude. Recomendava-lhe, sobretudo o amor de Deus e da prece, a fuga do pecado e das ocasiões que a ele conduzem. Repetia-lhe freqüentemente estas palavras que a rainha Branca costumava dizer a São Luís: "Meu filho, preferiria ver-vos morto a saber que cometestes um único pecado mortal”. No dia marcado para a partida, rumou para Paris, sob a guia de um sacerdote hábil e virtuoso. Cursou retórica e filosofia no colégio dos jesuítas com o mais brilhante êxito; enviaram-no, em seguida, à academia, para que aprendesse a montar a cavalo, a manejar as armas, a dançar, enfim tudo quanto não podia ignorar um gentil homem da sua qualidade. Não sentia o menor interesse por tais exercícios; mas por ser-lhe lei nviolável cumprir a vontade dos pais, não deixou de ter êxito e adquirir aquele aspecto à vontade que sempre conservou. Não se aplicando a tais exercícios senão à guisa de diversão, cultivou sempre os primeiros estudos e aprendeu também hebraico, grego e teologia positiva de fama, então, em Paris. Passaram-se seis anos.

Entretanto, os estudos de que acabamos de falar não constituíam a única ocupação de Francisco. Despendia grande parte do tempo nos exercícios de piedade, a fim de animar todos os seus atos de um espírito de cristianismo. O Seu maior prazer era ler e meditar a Sagrada Escritura; depois do divino livro, não havia outro cuja leitura mais o encantasse do que o Combate espiritual, do qual nunca se separava. Procurava a companhia dos virtuosos, e comprazia-se acima de tudo com a do padre Ange de Joyeuse. o qual, de duque e marechal da Franca, se fizera capuchinho. As conversações do santo varão sobre a necessidade de mortificação levaram o jovem conde a acrescentar às suas devoções comuns a de usar o cilício três vezes por semana. Fez, ao mesmo tempo, voto de castidade perpétua na igreja de Santo Estêvão des Grés, aonde ia freqüentemente orar, por se tratar de lugar retirado e afastado do tumulto; colocou-se, em seguida, sob a proteção particular da Santa Virgem, a quem rogou fosse sua advogada ao pé de Deus, e lhe obtivesse a graça da continência. Chegou, então, o momento determinado por Deus para provar o servidor. Densas trevas se lhe espalharam no espírito, uma violenta agitação substituiu a profunda paz de que desfrutara até então e o jovem caiu numa secura e melancolia de desesperar; finalmente, persuadiu-se que Deus, a quem tanto amava, o incluirá no número dos reprovados. A medonha idéia o lançou em temores que não podem ser conhecidos senão dos que sofreram a mesma tentação, Francisco transcorria os dias e às noites chorando e lamentando-se. Espalhou-se-lhe pelo corpo a icterícia, e ele não lograva comer nem beber nem dormir. O seu preceptor, que ternamente o amava, afligia-se com o estado em que o via tanto mais que lhe buscava inutilmente a causa. Deus, enfim, permitiu que a calma se sucedesse à tormenta. Tendo Francisco regressado à igreja de Santo Estêvão des Grés, sentiu que lhe renascia a confiança à vista de um quadro da Santa Virgem. Prosternou-se diante da mãe de Deus, e, reconhecendo-se indigno de dirigir-se diretamente ao Pai de toda consolação, suplicou-lhe intercedesse em seu favor e lhe obtivesse, ao menos, a graça de amar de todo o coração, sobre a terra, um Deus que ele teria a desventura de odiar eternamente após a morte. Mal estava feita a prece, que a perturbação desapareceu; pareceu-lhe que lhe tiravam um peso enorme do coração, e recobrou imediatamente a tranqüilidade de que antes gozava.

Tendo terminado os estudos acadêmicos aos dezessete anos de idade, foi chamado de volta pelo pai, o qual em 1584, o mandou estudar em Pádua, sob a guia do famoso Guido Pancirola. Nessa cidade, ligou-se o jovem ao padre Antônio Possevin, a quem incumbiu de lhe dirigir a consciência e os estudos teológicos. O piedoso e sábio jesuíta explicava-lhe a Suma de Tomás de Aquino, e com ele lia as controvérsias do cardeal Belarmino; mas tratava menos de torná-lo sábio do que firmá-lo nos caminhos da perfeição onde caminhava a largos passos. Francisco preparou uma regra de vida que nos foi, conservada pelo sobrinho, e nela se nota, entre outras coisas, que se mantinha sempre na presença de Deus, que a tudo fazia para lhe agradar, e que lhe implorava o auxílio da graça no começo de cada um dos seus atos. Soube conservar uma castidade inviolável no meio da corrupção reinante em Pádua. As armadilhas preparadas pelos libertinos contra a sua inocência não serviram senão para multiplicar-lhe os triunfos e fazer rebrilhar a fidelidade votada ao Senhor.

Uma perigosa enfermidade, que o atacou na mesma cidade lhe ministrou a ocasião de mostrar como estava separado do mundo e submetido aos decretos da divina providência. Chamaram-se os mais hábeis médicos, e eles, após esgotarem inutilmente todos os recursos da arte, declararam que o jovem conde era incurável. Somente ele não se alarmou com o seu estado; esperava com resignação, e até com júbilo, o momento em que a alma, livre dos laços do corpo, se abismaria no seio da Divindade. O seu preceptor, acabrunhado pela mais amarga das dores, perguntou-lhe banhado em lágrimas, o que desejava que fizessem do seu corpo depois da morte. "Seja dado, respondeu Francisco, aos estudantes de medicina, para que o dissequem. Considerar-me-ei feliz se, após ter sido inútil na vida, for de alguma utilidade depois da morte; com isso, impedirei também algumas das disputas que se erguem entre os estudantes de medicina e os parentes dos mortos que eles desenterram". Deus, porém, que tinha os seus planos quanto ao servidor, devolveu-lhe a saúde, contra toda e qualquer esperança, e em pouco tempo o repôs em condições de reiniciar os estudos. Terminado o curso, recebeu o qrau de doutor, apôs sair-se das provas comuns com uma superioridade de inteligência tal que fez com que o admirassem todos os sábios de Pádua.

Enquanto o jovem conde, que tinha então vinte e quatro anos, se preparava para regressar para a família, recebeu uma missiva do pai, pela qual se lhe ordenava viajasse è Itália. Partiu, pois, para Ferrara de onde se transferiu para Roma. Quando se viu nesta cidade, o seu primeiro cuidado foi visitar os santos lugares. Enternecido à vista do túmulo dos mártires, não conseguiu refrear as lágrimas. Os restos da magnificência da antiga Roma lhe lembravam o nada das grandezas humanas, e cada vez mais apertavam os laços sagrados que o ligavam a Deus. De Roma, foi a Nossa Senhora de Loreto, após o que percorreu as mais famosas cidades da Itália. Finalmente, terminada a viagem, retomou o caminho da pátria. Toda a família o acolheu com as maiores demonstrações de júbilo. Fundava nele as mais lindas esperanças, vendo-o reunir no grau mais eminente todas as qualidades de espírito e coração. Com efeito o jovem conde encantava quantos o conheciam. Cláudio de Granier, bispo de Genebra, e Antônio Faure ou Fabre, que mais tarde foi primeiro presidente do senado de Chambéry, mal o conheceram, por ele conceberam os mais sinceros sentimentos de estima e amizade, e, embora o nosso santo ainda fosse apenas leigo, o bispo chegava a consultá-lo sobre questões eclesiásticas.

Sendo Francisco o filho mais velho da família, o pai havia-lhe arranjado um rico partido, e obtivera-lhe do duque de Sabóia as provisões de um cargo de conselheiro no senado de Chambéry. Mas o jovem recusou uma e outra coisa, sem ousar entretanto declarar o projeto que nutria de adotar o estado eclesiástico; abriu-se apenas com o preceptor, a quem rogou conversasse com o pai. Não quis o mestre incumbir-se de missão tão delicada, e até empregou todo o prestígio de que dispunha no espírito do aluno para fazê-lo abandonar tal resolução. Francisco dirigiu-se, então, a Luís de Sales, seu primo, cônego da catedral de Genebra, para obter o consentimento do pai, e tão bem o colocou nos seus interesses, que conseguiu êxito, mas após grandes dificuldades.

O prebostado da igreja de Genebra estava vago na época. Luís de Sales pediu-o ao papa para o seu parente, e obteve-o. O jovem conde, que ignorara inteiramente os passos do primo, recebeu com grande surpresa a nova da sua nomeação a tal dignidade; protestou que a não aceitaria, e só à custa de muito trabalho puderam determiná-lo a tomar posse. Mal recebeu o diaconato, incumbiu-o o seu bispo do ministério da palavra. Os primeiros sermões lhe atraíram grande reputação e produziram os maiores frutos. Efetivamente, possuía todas as qualidades exigidas para ter êxito em tal gênero, tinha aspecto grave e modesto, voz forte e agradável, ação viva e animada, mas sem pompa e sem ostentação; falava com uma unção que demonstrava dar ele aos outros um pouco da abundância e plenitude do seu coração Antes de pregar, cuidava de se renovar perante Deus por meio de gemidos secretos e preces fervorosas Estudava aos pés do crucifixo mais ainda que nos livros, persuadido de que nenhum pregador é capaz de produzir frutos, se não é homem de oração.

Quando viu aproximar-se o dia em que seria elevado ao sacerdócio, preparou com fervor celestial, e recebeu, com a imposição das mãos, a plenitude do espírito sacerdotal. Obrigou-se a oferecer todos os dias o santo sacrifício da missa, e fazia-o com piedade verdadeiramente angelical. Todos se sentiam penetrados da mais terna devoção, ao vê-lo no altar. Os olhos e o rosto brilhavam-lhe vivamente, tão grande era a atividade do fogo divino que lhe ardia no coracão. Após a missa, que costumava dizer de manhãzinha, ouvia as confissões de quantos se lhe apresentassem. Gostava de percorrer as aldeias, para instruir aquela parte do rebanho de Jesus Cristo que vive, geralmente, numa profunda ignorância dos seus deveres; a sua piedade, o desinteresse, a caridade para com os enfermos e os pobres o faziam querido nos lugares pelos quais passava, e lhe atraiam a confiança do povo. Os pobres aldeões, cuja rudeza repugna às almas comuns, considerava-os filhos; vivia com eles, como se lhes fora pai, compadecia-se das suas necessidades, e a todos dispensava auxílio. Nada, porém, lhes conquistava os corações como a inalterável doçura. Nascera vivo e colérico. A força de estudar a doçura na escola de Jesus Cristo, tornou-se o mais meigo dos homens. O remédio melhor que conheço contra as súbitas emoções de impaciência, disse ele, é o silêncio doce e sem fel. Por poucas que sejam as palavras proferidas, esgueira-se nelas o amor próprio, e escapam coisas que lançam por vinte e quatro horas o coração na amargura. Quando não dizemos uma palavra, e sorrimos de coração despreocupado, passa a tormenta; afasta-se a cólera e a indiscrição e desfruta-se uma alegria pura e duradoura. Foi particularmente por tal doçura sobrenatural que ele converteu setenta e dois mil hereges.

Um ano depois de ter sido ordenado sacerdote, erigiu em Annecy a confraria da Cruz. Empenhavam-se os confrades em instruir os ignorantes, consolar os enfermos e prisioneiros, evitar qualquer processo. Um ministro calvinista valeu-se da oportunidade para escrever um libelo, sem nome de autor nem de impressor contra a honra que os católicos prestavam a Cruz. Francisco de Sales refutou-o com a primeira das suas obras O ESTANDARTE DA CRUZ, dividida em quatro livros: Da honra e virtude da Cruz, Da honra e virtude da imagem da Cruz, Da honra e virtude do sinal da Cruz, Da qualidade da honra que se deve à Cruz.

Havia cinco ou seis séculos que a cidade de Genebra vivia, católica e feliz, sob o governo espiritual e temporal dos seus bispos. Pela metade do século dezesseis, a apostasia de Lutero foi nela introduzida à força pelos tiranos municipais de Berna, e definitivamente organizada pelo apóstata Calvino, de Noyon. As melhores famílias de Genebra, para permanecerem fiéis à fé dos pais, preferiram o exílio à apostasia e servidão; a nova população de Genebra apóstata formou-se do refugo da antiga e talvez mais ainda da canalha bastarda dos padres e monges apóstatas, a pior espécie entre a pior gente. A nova Genebra chamava-se a Roma protestante: era como se o inferno se chamasse o céu invertido.

Tendo-se Genebra tornado apóstata, de mêdo a Berna, os dois cantões se valeram da guerra entre Francisco I e o duque Filiberto de Sabóia para arrancar a este último o ducado de Chablais, com os três distritos de Gex, Terny e Gaillard, e deles expulsar a religião católica. Restabelecida a paz, sob Henrique II, com o duque, foram os protestantes obrigados a lhe desenvolver o Chablais e os três distritos, mas com a Cláusula de que a religião católica não seria restabelecida. Pela morte de Filiberto e a subida ao trono de Carlos Emanuel, seu filho, os suíços e os genebrianos romperam o tratado, caindo de improviso sobre as regiões. O novo duque retomou-as deles, e resolveu restabelecer a religião católica, não se ligando mais a um tratado rompido pela parte contrária. Entretanto, não o quis fazer pela força, como tinham feito Berna e Genebra, preferindo começar pela doçura. Com tal intuito, pediu ao bispo de Genebra, residente em Annecy, missionários capazes, pela virtude e doutrina, de tornar a levar ao seio da Igreja as populações do Chablais e dos três distritos, transviados, havia sessenta anos, pela heresia. O bispo, Cláudio de Granier, falou eloqüentemente ao seu clero, oferecendo colocar-se pessoalmente à testa dos missionários. Um único se revelou pronto, e foi Francisco de Sales, seu primo. Francisco foi declarado chefe da missão, sendo todos da opinião de que o bom bispo, sobretudo por causa da idade avançada, não devia aparecer, no começo. O conde de Sales que conhecia o caráter arrebatado dos calvinistas, temia pela vida do filho e tudo envidou para demover de semelhante empreendimento. Francisco apresentou-lhe tão boas razões, que lhe obteve o consentimento. Imediatamente, pegando Luís de Sales pela mão: vamos, disse-lhe, para onde nos chama Deus. Há várias lutas em que somente se consegue a vitoria pela fuga. Uma demora mais dilatada serviria apenas para enfraquecer; e outros, mais generosos do que nós, poderiam muito bem ganhar a coroa que nos estava reservada.

Na fronteira do Chablais, Francisco ajoelhou-se, e, debulhado em lágrimas, rogou a Deus que lhes abençoasse a entrada e a estada naquela província.

Depois abraçando ternamente o primo Luís, disse; tenho uma idéia; entramos nesta província para nela desempenhar as funções dos apóstolos. Se quisermos ter êxito, nunca os imitaremos em demaisa. Mandemos de volta os nossos cavalos, caminhemos a pé e contentemo-nos, como eles, do necessário. Luís de Sales consentiu, e ambos chegaram ao pé de Allinges, praça forte no alto de uma pequena montanha separada das outras. O barão de Hermance, varão sábio e amigo do santo, comandava pelo duque de Sabóia. Conduziu os dois missionários à plataforma do castelo, de onde a vista se estendia sobre todo o país. Francisco observou de todos os lados igrejas abatidas, mosteiros arruinados, cruzes derrubadas, cidades, burgos e castelos destruídos, funestas conseqüências da heresia e da guerra por ela atraída a tão bela província. Para reparar tantos desastres, ficou combinado que era mister começar a missão por Thonon, capital do Chablais, pouco distante de Allinges, aonde era preciso voltar todas as noites, pois Thonon, inteiramente calvinista, não oferecia nem segurança nem abrigo aos missionários.

Francisco, acompanhado de Luís de Sales e de um único criado, pôs-se a caminho. A sua bagagem consistia numa sacola onde só havia uma Bíblia e um breviário; caminhava a pé, apoiado a um bordão, e percorria diariamente duas boas léguas, através de uma região bastante rude, para ir deitar-se em Allinges; não partia sem celebrar a santa missa e nutrir-se do pão dos fortes. Era simples o hábito que usava, e, costumando-se naquela época usar botas, empregava-as comumente, de modo que, estando na moda os cabelos curtos e a barba cheia, pouco diferia no exterior dos próprios seculares, que se gabavam de alguma modéstia. Serviu tal para dar-lhe entrada na casa de alguns calvinistas, que conquistou finalmente para a Igreja. Pela mesma razão de uma caridosa condescendência, resolveu jamais empregar termos injuriosos ao falar dos hereges e da doutrina deles, e não opor aos seus ultrajes e maus tratos senão uma invencível doçura e paciência.

Os magistrados de Thonon, todos calvinistas, prometeram exteriormente obedecer às cartas do governador, que lhes ordenava proteger os dois missionários; mas desde o primeiro dia, pensou o povo em sublevar-se. Em Genebra, que dista apenas umas quatro ou cinco léguas, chegaram a ponto de quase empunhar as armas. Luís de Sales estremeceu, mas Francisco o tranqüilizou, dizendo-lhe, entre outras coisas, que o costume do povo era fazer muito barulho e que, quando se tivesse bastante firmeza para não ficar assombrado, por si próprio se habituaria às coisas que, antes, lhe tinham parecido esquisitíssimas.

Tendo o governador escrito novas cartas aos magistrados de Thonon, Francisco foi recebido com mais consideração, mas em breve verificou que havia severa proibição de ouvi-lo, de sorte que estava sozinho, como num deserto. Não deixava de ir todos os dias a Allinges, e partia freqüentemente, com tempo tão duro e incômodo, que os camponeses mais robustos não ousavam aventurar-se. A chuva, a neve, o gelo, os ventos mais terríveis a própria noite, não eram capazes de o impedir. Às vezes, apoderava-se dele o frio a ponto de imobilizá-lo e pô-lo em perigo de morrer, mas nada era capaz de lhe deter nem tampouco de lhe afrouxar o zelo.

Foi tão rigoroso o inverno daquele ano e tão intenso o frio, que os seus pés e pernas estavam rachados. Um dia, tendo partido mais tarde do que habitualmente, de Thonon para regressar a Allinges, surpreendeu-o a noite. Perdeu-se, e, após ter percorrido inutilmente um bom trecho de caminho, chegou muito tarde a uma aldeia cujas casas se achavam fechadas. A terra estava coberta de neve e era tão violento o frio que até durante o dia os camponeses se viam obrigados a permanecer fechados com os seus rebanhos. Bateu o santo em todas as portas, rogando aos moradores por tudo o que era capaz de comovê-los que o não deixassem morrer de frio. Ninguém lhe abriu; eram todos calvinistas, e, por cúmulo de azar, o criado o nomeara, julgando inspirar neles alguma consideração. Deus, porém, que jamais abandona os seus, o fez encontrar, naquela emergência, o forno da aldeia, ainda quente. Lá se alojaram como puderam, e foi o que lhes salvou a vida.

julgou morrer, de outra feita, pela dureza dos moradores de outra aldeia. Chegara de noite no meio de uma furiosa chuva, mas não logrou arranjar abrigo, por mais que rogasse, e viu-se obrigado a passar a noite exposto à chuva, louvando a Deus, como os apóstolos, por ter julgado conveniente fazê-lo sofrer pela glória do seu nome.

Certa vez, a saída de Thonon, retirando-se para Allinges, encontrou um calvinista que, movido pelos seus bons exemplos e pelos incríveis trabalhos que se dava todos os dias, em prol da salvação de um povo até então pouco reconhecido, lhe suplicava pelo amor de Deus que o instruísse sem tardança na religião católica. Francisco empreendeu imediatamente a tarefa, apesar das censuras do primo, que lhe rogava deixasse o caso para o dia seguinte, visto que a noite se aproximava e que era mister atravessar uma floresta. O que Luís previra sucedeu: Francisco demorou-se tanto tempo com o calvinista, que a noite os surpreendeu à entrada da floresta, e tornou-se tão trevosa, que foi impossível descobrir o caminho. Entretanto, os uivos dos lobos, os gritos dos ursos e dos demais animais selvagens descidos das montanhas vizinhas, tinham algo de tão terrível, que não era possível deixar de ficar aterrado; o criado morria de medo; Luís de Sales não se sentia mais seguro. Somente Francisco, cheio de confiança, os consolava e lhes prometia, por sua parte, livrá-los do perigo como livrara Daniel da fossa dos leões. Naquele mesmo instante, tendo-se levantado a lua, percebeu que não estavam longe duma construção arruinada, onde havia ainda restos de cúpula capaz de abrigá-los das injúrias do tempo. Entraram e lá passaram o resto da noite. Francisco, todavia, não conseguiu pregar olho. Percebeu, ao luar, que aquelas ruínas eram as de uma igreja destruída pelos hereges. Passou a noite gemendo, como o profeta sobre as ruínas de Jerusalém.

No entanto, não via Francisco nenhum resultado dos seus trabalhos no Chablais, quando Deus lhe suscitou auxiliares de um novo gênero. Os soldados da guarnição de Allinges, impressionados pela sua virtude, converteram-se, alguns do calvinismo à fé católica, e todos a uma vida melhor. Indo freqüentemente a Thonon, a mudança deles causou lá profunda impressão e diminuiu singularmente a aversão experimentada contra o varão apostólico. Vendo este que não mais o evitavam tão intensamente, pôs-se a fazer visitas a particulares cuja estima e afeto conquistou pelos encantos da sua doçura e polidez, enquanto os ministros huguenotes só se distinguiam pela arrogância e soberba. Ao mesmo tempo, soube Francisco que dois gentis homens, seus conhecidos, se batiam em duelo. Imediatamente acorreu, e, com perigo da própria vida, os separa e leva a se abraçarem. Deus fez mais: tocou-lhes o coração, e ambos fizeram uma confissão geral e tornaram-se fervorosos cristãos. Um deles, distinto na carreira das armas, habitava uma casa de campo na vizinhança de Thonon. Visto que as pessoas ilustres da região lhe faziam freqüentes visitas, falou-lhes do santo varão com tal entusiasmo, que todos manifestaram grande desejo de vê-lo e falar-lhe. O gentil homem ofereceu a sua casa para tanto. E lá se realizaram, a partir de então, conferências entre Francisco de Sales e os principais calvinistas do país.

Expôs, sobre os principais pontos de controvérsia, o que a Igreja católica acreditava e o que rejeitava. Os presentes ficaram maravilhados de saber que a Igreja católica não admitia absolutamente as enormidades que lhe imputavam os ministros huguenotes nos seus sermões, e que, pelo contrário, a sua doutrina era o bom senso e a própria moderação. Tendo-se espalhado a noticia, os pregadores huguenotes sustentaram que a doutrina católica não era a que Francisco expusera. Escreveu-a ele, então, nos termos do concílio de Trento, e ofereceu aos pregadores esclarecimentos em conferências pacíficas, quer escritas, quer orais. Não aceitaram nem uma coisa nem outra, e resolveram mandar matar o gentil homem católico que cedia a casa a Francisco. Um gentil homem calvinista, parente do primeiro, incumbiu-se do ato. Foi, portanto, procurá-lo, como que para distrair-se. Conduziu-o, o outro expressamente a um passeio solitário e disse-lhe: meu amigo, sei que plano tendes; vindes aqui assassinar-me; entretanto não temais, pois se a vossa religião vos leva a matar amigos e parentes, a minha me obriga, a exemplo de Jesu Cristo, a perdoar aos mais cruéis inimigos. Abraça-o com cordial amizade. O calvinista confunde-se a mais mais inviolável amizade. Não se detém nisso: pede-lhe entrevistas particulares com Francisco e torna-se católico tão fervoroso quão fervoroso calvinista havia sido.

A conversão desse homem, a exposição impressa da doutrina católica, a que nenhum pregador ousava responder, causaram grande impressão em todo o país. Os calvinistas cada vez mais numerosos iam ouvir Francisco. Os pregadores resolveram, então matá-lo, e para tanto contrataram os serviços de dois profissionais. Mas os católicos, avisados, escoltaram Francisco no seu regresso a Allinges. Mal entraram num bosque por onde era mister passar, saíram os dois assassinos dentre as moitas em que se haviam ocultado, e avançaram de espada na mão. Francisco não perde a habitual firmeza. Proíbe aos que o acompanham que se sirvam de armas, vai ao encontro dos matadores, e diz-lhes com inalterável doçura: enganai-vos, meus amigos; aparentemente nada tendes contra um homem que, bem longe de vos ter ofendido, seria capaz de dar a vida por vós. Aquelas palavras acalmam num instante a cólera dos assassinos, que por algum tempo permanecem imóveis para, logo depois, lançar-se aos pés do santo, e pedir-lhe perdão, protestando que no futuro não disporia de servidores mais fiéis nem mais dispostos a segui-lo fosse onde fosse. Francisco erque-os, abraça-os ternamente e lhes aconselha se afastem para evitar a perseguição do governador da província, o qual não teria tanta indulgência quanto ele.

Com efeito, tomou o governador medidas para agarrar os culpados. Francisco se empenhou inutilmente para impedí-lo. O governador quis, ao menos, dar-lhe uma escolta de seis soldados. Francisco, pelo contrário, pediu-lhe licença, e terminou por obter, a força de rogos, permissão para ir viver em Thonon, onde então havia vários católicos. Receberam-no estes com inexprimível júbilo, como recebiam os primeiros católicos aos apóstolos. Francisco, por sua vez, mantinha o seu ministério de maneira digna de Deus. Nada escapava à sua caridade e aos seus cuidados; empregava os dias no ensino e nas conferências, na visita aos pobres e enfermos, passando as noites no estudo, na prece e na reconciliação dos pecadores. A vida lhe sustentava as pregações, e as pregações completavam o que os bons exemplos tinham começado.

Tantas virtudes atraiam diariamente para a Igreja novos fiéis, mas, simultaneamente, aumentava a fúria dos hereges. Que fazemos? perguntavam. Eis um homem que conquista insensivelmente a estima do povo; consideram-no um apóstolo, e nós perdemos todos os dias um pouco de prestígio. Esperaremos que nos reduza a mendigar o pão e que estabeleça o papismo sobre as ruínas dos nossos templos? Se o deixarmos terminar o que começou, o duque de Sabóia virá, e valendo-se do pequeno número a que ficaremos reduzidos, estabelecerá a sua autoridade sobre a ruína dos nossos privilégios e nos reduzirá a uma triste servidão. A conclusão foi ser necessário desfazer-se de tal homem. De fato na noite seguinte, estando Francisco a passar uma parte dela na oração, ouviu uma bulha de armas e em seguida o ruído de várias pessoas que falavam baixinho. Percebendo que a casa fora invadida, ocultou-se. Nem bem o fizera, a porta foi abatida e os assassinos entraram dando grandes gritos e procurando-o por toda parte. Não o encontrando, supuseram que tivesse ido visitar um enfermo, e retiraram-se. Tendo sabido, depois, que estava em casa, acusaram-no de ser feiticeiro. Um calvinísta chegou até a jurar que o vira no sabá e que lá o tinham em grande consideração. Francisco, sabedor de tal, limitou-se a sorrir; depois, fazendo o sinal da cruz: eis, disse, os feitiços de que me sirvo; é com este sinal que espero vencer o inferno, e nunca entrar em acordo com ele.

Entretanto, após as reiteradas tentativas de assassínio, o presidente Faure, o bispo de Genebra, e sobretudo o conde de Sales, pai, instaram, por escrito, com Francisco para o obrigarem a deixar Chablais e voltar para Annecy, onde o seu zelo não careceria de oportunidade. O pai lhe repetia o que já dissera ao bispo: considerar-me-ia felicíssimo por ter santos em minha casa, mas preferiria que fossem confessores e não mártires.

Francisco pensava de outro modo. Tranqüilizou os amigos e o pai. Aquelas tentativas de assassínio se voltavam contra os autores; dizia-se, por toda parte, que se os pregadores de Thonon e de Genebra tinham certeza da sua doutrina, não recorreriam a semelhantes violências, aceitando, pelo contrário, as conferências que Francisco não cessava de lhes propor. Eram, enfim, convidados, a proceder assim. Apesar dessas provocações, mantiveram-se calados. Mas Francisco não se calou: uma única das suas pregações, converteu seiscentas pessoas. Os pregadores huguenotes reuniram-se em consistório em Thonon, para estudar o mero de deter os progressos daquele novo conquistador; propuseram-se três ou quatro soluções; a conclusão foi que se não tomou nenhuma. Francisco não procedeu da mesma maneira: provocou-os e por vários escritos, a uma conferência pública. Foram, por fim, obrigados a aceitar. No dia combinado, porém, recuaram, com o pretexto de lhes faltar a autorização do soberano, duque de Sabóia. Foi em vão que Francisco lhes mostrou que a autorização do governador da província era bastante e que ele lhes garantiria a do soberano. Nada se concluiu. Somente um dos pregadores, envergonhado do recuo dos co-irmãos, aceitou uma conferência particular com Francisco. O resultado foi que abjurou os erros e se fez católico. Os demais envidaram todos os esforços para o atraírem de novo ao seu seio. Não o conseguindo, acusaram-no, fizeram-no condenar a morte e executar tão depressa, que Francisco não teve tempo de solicitar o perdão ao duque de Sabóia. Aquela violência horrorizou todos, e aumentou as conversões, em vez de as impedir. O advogado Poncet, renomado em Genebra e em toda a província, declarou-se católico, e o seu exemplo foi seguido de grande número de pessoas de todas as categorias. A conversão do barão d'Avully foi a mais ruidosa. Era ele chefe do partido calvinista no Chablais. Desposara mulher católica, a quem esperava converter ao calvinismo; mas encontrou-a tão culta quão virtuosa. Arraniou-lhe ela algumas conferências com Francisco de Sales, e o homem notou imediatamente que não era sua esposa, mas ele próprio quem estava errado. As conversações mantidas com Francisco de Sales foram escritas e enviadas aos pregadores de Genebra e Berna. Nem uns nem outros responderam. O barão d'Avully quis que se soubesse em todo o país, e até em Genebra, o dia em que iria abjurar. Convidou quanta gente pôde, declarou publicamente os motivos da sua conversão, e foi recebido na comunidade católica, na presença de todo o povo de Thon e de grande número de calvinistas de Genebra,

Francisco converteu e reconduziu ao seio da Igreja setenta e dois mil hereges. Entre os próprios católicos, converteu um número não menos considerável de pecadores. Os seus escritos, em particular a Introdução à vida devota e o Tratado do amor de Deus, iluminam e entretém a devoção num sem número de fiéis: a ordem da Visitação, que estabeleceu com Santa Francisca de Chantal, e que pôs em Paris sob a direção de São Vicente de Paulo, não cessa de conduzir à perfeição um grupo seleto de almas fervorosas. O santo morreu em Lião, em 28 de dezembro de 1622. Foi canonizado em 1665 pelo papa Alexandre VII, que lhe fixou a festa em 29 de janeiro, dia no qual o seu corpo foi levado para Annecy, e Pio IX, atendendo ao pedido de muitos bispos, proclamou São Francisco de Sales Doutor da Igreja, em 1877. Em 1923, Pio XI o declara padroeiro da boa imprensa e dos jornalistas católicos.

Além da Congregação das Visitandinas, ele inspirou, mesmo após a morte, vários clérigos e várias congregações, as quais se formaram sob seu patronato: entre outras, os Missionários de São Francisco de Sales, de Annecy; a Ordem dos Salesianos, fundada em Turim, Itália, por Dom Bosco e devotado ao ensino cristão de crianças pobres; e a Oblatas de São Francisco de Sales, fundada em Troyes, França, pelo Padre Brisson.

São Francisco de Sales escreveu em francês, e nós conhecemos alguns dos seus livros. Leiamo-los com particular devoção. Roguemos ao nosso santo compatriota que nos obtenha de Deus a graça de tirar proveito dos seus exemplos e escritos, de modo tal que nos tornemos seus compatriotas no céu.


.Fonte: Padre Rohrbacher, Vida dos Santos, Tomo II.
Obs: Possui alguns acréscimos necessários!

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